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| RELATÓRIO
    Nº 14/02 ADMISSIBILIDADE CASO
    12.352 BRUCE
    CAMPBELL HARRIS LLOYD GUATEMALA[1] 28
    de fevereiro de 2002     I.         
    RESUMO   1.         
    Em 23 de setembro de 1999, a Comissão Interamericana de Direitos
    Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou a “CIDH”) recebeu uma
    petição apresentada pelo  senhor
    Bruce Campbell Harris Lloyd, o Diretor Regional da Casa Aliança, o Centro
    pela  Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Escritório do
    Arcebispado de Direitos Humanos na Guatemala (doravante denominados “os
    peticionários”). A denúncia indica que o Estado da Guatemala (doravante
    denominado “o Estado”)  violou
    os artigos 13 (Liberdade de Expressão) e 24 (obrigação de não
    discriminar), em conjunção com as obrigações genéricas contidas nos  artigos
    1(1) (dever de respeitar e garantir os direitos) e 2 (obrigação de adequar
    a legislação interna) da  Convenção
    Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”) em
    detrimento do senhor Bruce Harris Campbell.   2.         
    Segundo os peticionários, o direito à liberdade de expressão,
    artigo 13 da  Convenção, foi
    violado pelo  Estado da
    Guatemala quando a Corte Suprema de Justiça tomou sua decisão final de
    instaurar ação penal contra o senhor Harris por declarações públicas
    feitas nos meios de comunicação sobre o tema das irregularidades nas adoções
    internacionais, citando especificamente o nome de uma pessoa de um cartório
    supostamente envolvida nas adoções ilegais. Os peticionários alegam que o
    senhor Harris tinha direito a ser julgado por um tribunal de imprensa
    conforme o disposto pelo  artigo
    35 da  Constituição
    guatemalense.   3.         
    O Estado da Guatemala argumenta que os recursos internos somente serão
    esgotados depois que a ação penal produza uma sentença definitiva.   4.         
    Após analisar os argumentos das partes à luz dos  requisitos
    de admissibilidade previstos na  Convenção,
    a Comissão decidiu declarar admissível a petição no que se refere as
    supostas violações aos artigos 8, 13 e 24 da  Convenção Americana.   II.         
    TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO   5.         
    Em 18 de dezembro de 2000, a Comissão deu trâmite ao caso e enviou
    as partes pertinentes da  denúncia
    ao Estado outorgando-lhe um prazo de 90 dias para apresentar suas observações.   6.         
    Em 7 de março de 2001, o Estado solicitou uma prorrogação por
    noventa dias, com o propósito de poder recolher os datos que fossem necessários
    para poder responder o solicitado pela  Comissão.
       7.         
    Em 8 de junho de 2001, o Estado apresentou sua resposta alegando que
    a petição deveria ser considerada inadmissível porque os recursos
    internos ainda não haviam sido esgotados até que se finalizasse a ação
    penal.   8.         
    Em 27 de agosto de 2001, os peticionários apresentaram suas observações
    à resposta do Estado sobre os fatos  e
    a admissibilidade da  petição.   III.         
    POSIÇÃO DA S PARTES   A.         
    Posição dos  peticionários   Sobre
    os fatos   9.         
    Em 1994, a Casa Aliança celebrou um convênio com a Procuradoria
    Geral da Guatemala com o fim de realizar investigações relacionadas com
    temas que afetam a infância e, especialmente, o tráfico ilegal de crianças.
    Em diversas oportunidades o senhor Harris informou e denunciou perante
    diversos meios de comunicação que, durante os últimos 3 anos, houve um
    grande aumento do número de adoções de crianças guatemalenses ao
    estrangeiro sem um controle judicial sobre o possível tráfico ilegal dos  mesmos.
       10.         
    Em 11 de setembro de 1997, a Casa Aliança, por meio de seu
    representante Bruce Harris, realizou uma conferência de imprensa nas dependências
    da  Procuradoria da  Zona 13 da  cidade
    de Guatemala a respeito dos  resultados
    colhidos na  investigação.
    Nesta oportunidade manifestou sua preocupação pela existência de
    advogados envolvidos nos  processos
    de adoção internacional e, especificamente, assinalou a funcionária de um
    cartório a  Susana María Luarco Saracho de Umaña, por ter abusado do uso
    de seu poder como cônjuge do presidente da Corte Suprema de Justiça, com o
    fim de agilizar os processos de adoção.[2]
    Das investigações realizadas foi possível determinar que muitas das crianças
    tinham sido compradas ou roubadas e que em vários casos seus pais tinham
    sido manipulados ou forçados a dar as suas crianças em adoção.   11.         
    Em 24 de setembro de 1997, a senhora de Umaña apresentou uma denúncia
    criminal contra o senhor Harris por injúria, calúnia e difamação por
    suas declarações na  conferência
    de imprensa. Em 22 de abril de 1999, a mesma interpôs três queixas
    adicionais por delito de injúria, calúnias e difamação contra o senhor
    Harris por declarações relacionadas com os mesmos fatos das investigações
    na  revista El
    Processo, El Periódico, e um correio eletrônico que enviou por uma
    rede de alerta.   12.         
    O senhor Harris interpôs uma série de recursos para declarar
    improcedentes os processos penais contra sua pessoa, mas todos foram infrutíferos.
    Com efeito, uma vez iniciada a  investigação
    penal, em 1º de outubro de 1997 Bruce Harris interpôs uma exceção de
    incompetência do Quarto Tribunal, aduzindo que as manifestações que eram
    objeto da  demanda foram feitas no exercício do direito ao livre
    pensamento e solicitou que o processo fosse conhecido pelo  tribunal de imprensa, estabelecido pela  Lei de Manifestação do Pensamento, em virtude do artigo 35
    da  Constituição.   13.         
    Cabe assinalar que dada a designação do Quinto Tribunal de Sentença
    Penal de Narcotráfico e Delito Contra o Ambiente como tribunal competente
    para conhecer o caso depois que o Quarto Tribunal pediu sua renúncia, em 25
    de março de 1998, Bruce Harris interpôs novamente uma exceção de
    incompetência, em razão da  matéria.   14.         
    Em 31 de março de 1998, o Quinto Tribunal rejeitou a exceção de
    incompetência  com base no
    argumento de que Bruce Harris é uma pessoa particular que utilizou  os
    meios de informação social para manifestar suas declarações, e como não
    é  membro dos  meios de imprensa, não pode invocar a ilegalidade de sua
    sujeição ao procedimento comum. Os peticionários indicam que este
    tribunal concluiu que como pessoa particular, Bruce Harris não pode invocar
    a proteção da Lei de Manifestação de Pensamento. Em  28
    de julho de 1998, o Quinto Tribunal declarou improcedente o recurso de revisão
     interposto por Bruce Harris
    contra a decisão anterior.    15.         
    Na  informação
    apresentada pelos peticionários consta que em 19 de maio de 1998,  Bruce
    Harris interpôs um recurso de amparo perante a Décima Sala da Corte de
    Apelação contra o Quinto Tribunal por tramitar uma ação penal de
    natureza privada, não obstante, constitucionalmente os fatos de que é
    acusado não são constitutivos de delito. Em 19 de maio de 1998 a Décima
    Sala aceitou o recurso.  Em 22
    de maio de 1998 o Quinto Tribunal apresentou seu relatório à Décima Sala,
    expondo que fundamentou sua decisão no fato de que Bruce Harris usou os
    meios de comunicações na condição de particular, 
     e que porque não era membro da  imprensa,
    sua atuação não estava amparada pelo  artigo
    35 da  Constituição nem pela  Lei
    de Manifestação de Pensamento.   16.         
    Em 10 de julho de 1998, a Décima Sala da Corte de Apelações
    denegou o  recurso de amparo,
    aduzindo que Bruce Harris não é membro da  imprensa
    sujeito à jurisdição especial emanada da  Lei
    de Manifestação de Pensamento. Esta instância judicial considerou que
    Bruce Harris falhou na sua obrigação de provar que as expressões
    injuriosas referiam-se a atos celebrados no marco das funções como funcionária
    pública, emanadas de seu cargo de tabeliã pública.   17.         
    Os peticionários indicam que em 31 de julho de 1998 Bruce Harris
    apelou da  decisão da  Décima Sala junto à  Corte
    de Constitucionalidade, a qual confirmou a sentença apelada na decisão de
    19 de janeiro de 1999. A Corte de Constitucionalidade decidiu que no  caso
    a competência correspondia aos juízes de ordem penal, já que Bruce Harris
    não tinha demostrado que a funcionária do cartório, a senhora Umaña,
    tivesse atuado na sua qualidade de figura pública.   18.         
    Não obstante o anterior, os peticionários alegam que em 26 de março
    de 1999 o Vigésimo Tribunal, ao qual havia sido trasladado o expediente,
    emitiu uma decisão interlocutória  convocando
    o tribunal do júri (Tribunal de Imprensa) de conformidade com o artigo 46
    da  Lei de Manifestação de
    Pensamento. Conforme à denúncia, este Tribunal concluiu que a Lei de Livre
    Manifestação de Pensamento não é aplicável somente a jornalistas mas a
    todas as pessoas, porque trata-se de um direito constitucional; logo, os
    delitos cometidos ao exceder-se nas opiniões devem ser conhecidos
    privativamente pelo júri.   19.         
    Em 27 de março de 1999 a tabeliã Susana de Umaña interpôs uma
    apelação contra a decisão interlocutória anterior perante a Corte de
    Apelações, citando como fundamento a resolução de 19 de janeiro de 1999
    da Corte de Constitucionalidade. Mediante despacho de 30 de abril de 1999, o
    Vigésimo Tribunal acolheu a apelação, e Bruce Harris interpôs um recurso
    de revisão em 4 de maio de 1999, mas este foi declarado improcedente. Em 11
    de maio de 1999, a Corte de Apelações decidiu que o caso deveria ser
    decidido em sede penal. A fim de cumprir esta decisão, em 8 de junho de
    1999, o Vigésimo Tribunal, acolhendo a decisão da  Décima Sala, instaurou a ação penal oral e pública contra
    Bruce Harris pelo  delito de calúnia,
    injúria e difamação.   20.         
    Em 18 de junho de 1999, Bruce Harris interpôs um recurso de amparo
    perante a Corte Suprema de Justiça, alegando que a apelação interposta
    perante a Décima Sala de Apelações era improcedente, já que tinha sido
    interposta antes do recurso de revisão. Em 25 de junho de 1999, a Corte
    Suprema de Justiça declarou improcedente o recurso ao considerar que as
    circunstâncias não o permitiam. Sobre
    as questões de direito   21.         
    Os peticionários alegam que suas declarações não constituem
    delito dado que a informação difundida era de interesse público e que a
    senhora Umaña atuou na qualidade de funcionária pública, segundo o
    estipulado no artigo 35 da  Constituição
    Política da  República de
    Guatemala que dispõe que “Não constitui delito ou falta as publicações
    que contenham denúncias, críticas ou imputações contra funcionários ou
    empregados públicos por atos efetuados no exercício de seus cargos. Os
    funcionários e empregados públicos poderão exigir que um tribunal de
    honra, integrado na  forma que
    determine a lei, declare que a publicação que os afeta baseia-se em fatos
    imprecisos ou que as acusações são infundadas”.   22.         
    Os peticionários alegam que o fato de que atualmente o senhor Harris
    esteja sendo julgado pelos delitos de injúria, calúnia e difamação, a
    partir das declarações públicas que fez sobre as adoções guatemalenses
    imputando a uma funcionária pública a responsabilidade por fatos
    concretos, constitui uma limitação ou restrição arbitrária e
    injustificada de seu direito à liberdade de expressão, tendo o Estado da
    Guatemala violado o artigo 13 da  Convenção.
       23.         
    Os peticionários argumentam que a senhora de Umaña possui qualidade
    de funcionária pública por sua atuação profissional nas adoções de
    crianças guatemalenses, de acordo com o artigo 1º, Disposições Gerais,
    Terceiro  Livro do Código Penal: “Para os efeitos penais entende-se:
    2º -Por funcionário público quem, por disposição da  lei, por eleição popular ou legítimo nomeação exerce
    cargo ou mandado jurisdicional ou representação de caráter oficial. Os
    tabeliões serão considerados como funcionários quando se trate de delitos
    que cometam atos relativos ao exercício de sua profissão”.   24.         
    Os peticionários alegam que o direito à liberdade da  manifestação
    do pensamento consagrado no artigo 35 da  Constitução é um direito aplicável a todas as pessoas e não
    unicamente a jornalistas. Portanto, os peticionários argumentam que a decisão
    do Tribunal Constitucional e da  Décima
    Sala de Apelações que negam a Bruce Harris o acesso a um tribunal de júri,
    “constitui uma distinção discriminatória entre os ‘jornalistas’ e o
    resto da  sociedade”, em violação
    do direito à igualdade perante a lei consagrado no artigo 24 da  Convenção Americana.   25.         
    Os peticionários alegam que a denúncia de injúria, calúnia e
    difamação apresentada pela  senhora
    de Umaña contra Bruce Harris deveria ser conhecida por um Tribunal de
    Imprensa de acordo com o artigo 35 da  Constituição,
    porque as declarações feitas por Harris citando o nome da tabeliã foi
    baseado na sua atuação profissional e pública caracterizando-a como
    funcionária pública. Os peticionários argumentam que a decisão de julgar
    Bruce Harris através de um tribunal penal e não por um tribunal de
    imprensa constitui uma violação ao artigo 13 da  Convenção sobre liberdade de pensamento e de expressão.    26.         
    Finalmente, os peticionários indicam que os recursos internos foram
    esgotados neste caso quando a Corte Suprema de Justiça indeferiu o recurso
    de amparo apresentado pelo  senhor
    Harris reclamando seu direito constitucional de ser julgado por um tribunal 
    de imprensa por declarações públicas protegidas pela Lei de Livre
    Manifestação do Pensamento, e  confirmou
    a sentença anterior ordenando a abertura de juízo penal contra o senhor
    Harris.   B.         
    Posição do Estado   27.         
    O Estado reconhece que as declarações do senhor Harris, prestadas
    perante os meios de comunicação, ocorreram dentro de um contexto de denúncia
    e preocupação por um problema nacional, qual seja o tema das adoções
    internacionais e que o senhor Harris “destacou a necessidade de modificação
    e modernização da legislação atual e fortalecimento dos meios de
    controle e fiscalização do cumprimento da  Lei”.
    Ademais, reconhece que, durante a  conferência
    de imprensa e com o afã de exemplificar como opera atualmente o sistema das
    adoções, o senhor Harris referiu-se à senhora Umaña e assinalou que esta
    pressionava os procuradores das instituições governamentais e usava seu
    poder para agilizar os casos de adoções que ela tramitava.    28.         
    O Estado argumenta que a Lei de Manifestação do Pensamento
    contempla um procedimento unicamente aplicável a jornalistas no exercício
    de sua função, o que não significa que as demais pessoas, que não sejam
    jornalistas, sejam privadas do mesmo direito. Com efeito, o Estado não
    considera Bruce Harris como jornalista protegido por esta Lei mas sim como
    pessoa privada.  A única limitação
    existente a essa liberdade de expressão é a eventual vulneração dos  intereses
    das pessoas que se creem afetadas em sua honra e prestígio, os quais podem
    apresentar sua inconformidade através de ações penais que pretendem
    evitar o abuso da  liberdade de expressão quando lhe são imputados fatos
    delitivos falsos.   29.         
    O Estado assinala que a senhora de Umaña não é, nem foi, funcionária
    pública e que o Estado somente confere fé pública aos tabeliões para que
    os atos realizados por estes profissionais tenham certeza jurídica. Ademais,
    o Estado alega que Bruce Harris não demostrou que a tabeliã a senhora Umaña
    caracteriza-se como funcionária pública invocando a proteção do artigo
    35 da  Constituição.   30.         
    O Estado considera a denúncia dos peticionários como um conflito
    privado entre particulares; portanto, o assunto não é competência do
    sistema interamericano de proteção dos  direitos
    humanos.    31.         
    Finalmente, o Estado alega que não foram esgotados os recursos
    internos até que o procedimento penal chegue a fase de sentença, e não
    está presente no caso nenhuma  das
    exceções a esta regra, motivo pelo qual a petição deve ser declarada
    inadmissível.    IV.         
    ANÁLISE SOBRE A ADMISSIBILIDADE   A.         
    Competência da  Comissão   32.         
    Os peticionários possuim locus
    standi para apresentar denúncias perante a CIDH, conforme o estipulado
    no artigo 44 da Convenção. Estas petições assinalam como supostas vítimas
    pessoas individuais, a respeito das quais a Guatemala comprometeu-se a
    respeitar e garantir os direitos consagrados na  Convenção.
    No que se refere ao Estado, a Comissão observa que a Guatemala é Estado
    parte da  Convenção Americana, desde sua ratificação em 25 de maio
    de 1978. Portanto, a Comissão tem competência ratione
    pessoae para examinar a petição.   33.         
    A Comissão tem competência ratione
    loci para conhecer esta petição visto que a mesma alega violações de
    direitos protegidos na  Convenção
    Americana que teriam ocorrido dentro do  território
    de um Estado parte.   34.         
    A CIDH tem competência ratione
    temporis porque a a obrigação de respeitar e garantir os direitos
    protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado
    na data em que ocorreram os fatos alegados na 
    petição.    35.         
    Finalmente, a Comissão tem competência ratione
    materiae, porque a  petição
    denuncia violações a direitos humanos protegidos pela 
    Convenção Americana.    B.         
    Esgotamento dos recursos internos   36.         
    A Convenção Americana estabelece em seu artigo 46(1)(a) :   Para
    que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44 ou 45
    seja admitida pela  Comissão,
    se requer:   Que
    sejam interpostos e esgotados os recursos da 
    jurisdição interna, conforme os princípios do Direito
    Internacional geralmente reconhecidos    37.         
    A Comissão assinalou de maneira reiterada o caráter “coadjuvante
    e complementário” do sistema interamericano de proteção dos  direitos
    humanos. Este caráter está refletido no artigo 46(1)(a) da Convenção, o
    qual permite aos Estados solucionar previamente as questões formuladas
    dentro de um marco jurídico próprio antes de enfrentarem um processo
    internacional.   38.         
    No presente caso, os peticionários alegam que interpuseram os
    recursos adequados para amparar as supostas violações de direitos
    constitucionais perante os tribunais da  jurisdição
    interna previstos pela  legislação
    guatemalense. Contudo, indicam que os mesmos resultaram ineficazes para
    tutelar os direitos vulnerados pelo  Estado.   39.         
    Os peticionários alegam que os recursos internos foram esgotados
    mediante a decisão da Corte Suprema de Justiça que indeferiu o recurso de
    amparo interposto por Bruce Harris, solicitando que seu caso fosse ouvido
    por um Tribunal de Imprensa regulamentado  pelo
     artigo 35 da  Constituição
    de Guatemala. A decisão definitiva da Corte Suprema de Justiça marcou o início
    da ação penal oral e pública  contra
    de Bruce Harris pelo  delito de
    calúnia, injúria e difamação.   40.         
    A sua vez, o Estado guatemalense controverteu os fatos alegados pelos
    peticionários a respeito do esgotamento dos  recursos internos. O Estado alega que para cumprir com o
    esgotamento dos recursos internos, os peticionários devem esperar até que
    o procedimento penal em curso contra Bruce Harris chegue a fase de sentença.
       41.         
    A Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou o seguinte
    quanto à regra do esgotamento prévio dos  recursos
    internos:   Os
    Estados Partes estão obrigados a oferecer recursos judiciais efetivos às vítimas
    de violação dos  direitos humanos (art. 25), recursos que devem ser
    substanciados de conformidade com as regras do devido processo legal (art.
    8.1), em conjunção com a  obrigação
    geral dos mesmos Estados, de garantir o livre e pleno exercício dos  direitos reconhecidos pela  Convenção a toda pessoa que se encontre sob sua jurisdição
    (art. 1).   42.         
    Consequentemente, para que exista o dever de esgotar os recursos
    internos, estes devem apresentar características que permitam considerá-los
    como um remédio adequado e efetivo à violação alegada. O artigo 46 da  Convenção
    dispõe que os recursos internos deveriam ser esgotados “conforme os princípios
    de Direito Internacional geralmente reconhecidos” e que estes recursos
    também sejam adequados e efetivos.[3] 
    Com efeito, o  artigo 25 da  Convenção
    estabelece a obrigação dos  Estados
    de oferecer, a todas as pessoas submetidas a sua jurisdição um recurso
    judicial efetivo contra atos violatórios de seus direitos fundamentais para
    que estes recursos sejam realmente idôneos para remediar a violação.[4]
       43.         
    No presente caso, os peticionários tentaram perante as instâncias
    internas todos os recursos contemplados pela  legislação
    adjetiva guatemalense a fim de tutelar os direitos que alegam violados,
    mediante a submissão do caso perante o Tribunal de Imprensa que, na sua
    opinião, é a autoridade judicial competente para conhecer este assunto. A
    Comissão considera que os peticionários utilizaram os recursos adequados
    conforme as regras processuais estabelecidas no Código de Procedimentos
    Penais da Guatemala a fim de impugnar a decisão que fixou a competência
    para conhecer a queixa contra Bruce Harris na  justiça
    penal ordinária.    44.         
    Por conseguinte, sem prejulgar o mérito da questão, a Comissão
    considera satisfeitos os requisitos estabelecidos nos  artigos
    47(b) e (c) da  Convenção.   C.         
    Prazo de apresentação da  denúncia
    perante a CIDH   45.         
    O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para
    admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do
    prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus
    direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva”.   46.         
    A presente petição foi apresentada perante a CIDH em 23 de setembro
    de 1999, três meses depois que a Corte Suprema de Justiça decidiu
    indeferir o amparo interposto pelo  peticionário
    em 25 de junho de 1999. Em nenhum momento durante o trâmite do caso perante
    a Comissão, o Estado alegou a falta de cumprimento do requisito do prazo
    com relação aos recursos esgotados.   D.         
    Duplicação de processos   47.         
    O artigo 46(1)(c) da  Convenção
    estabelece que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela  Comissão,
    a matéria da  mesma não deve
    estar pendente de outro procedimento internacional. O artigo 47(d) da  Convenção estabelece que a Comissão declarará inadmissível
    toda petição ou comunicação quando seja substancialmente a reprodução
    de petição ou comunicação anterior já examinada pela Comissão ou outro
    organismo internacional.    48.         
    Das  alegações das
    partes e dos  documentos
    contidos no expediente não se demonstra que a petição esteja pendente de
    outro procedimento ou acordo internacional, ou que seja reprodução de uma
    petição anterior já examinada pela  Comissão
    ou outro organismo internacional. Portanto, a Comissão considera que no
    presente caso foram cumpridos os requisitos de admissibilidade contidos nos  artigos
    46(1)(c) e 47(d) da  Convenção
    Americana sobre Direitos Humanos.   E.         
    Caracterização dos  fatos
    alegados   49.         
    Com relação aos fatos alegados referentes à  autoridade judicial competente para conhecer a queixa
    apresentada pela tabeliã Susana de Umaña contra o senhor Bruce Harris a
    Comissão considera que, a decisão de submeter o caso ao conhecimento da  jurisdição penal ordinária e não ao Tribunal de Imprensa
    conforme o estabelecido pelo  artigo
    35 da  Constituição
    guatemalense, poderia caracterizar uma violação ao artigo 8(1) da  Convenção
    Americana. Embora os peticionários aleguem que mediante esta medida do
    poder judicial guatemalense houve uma violação do artigo 13 da Convenção
    Americana, a Comissão entende que os fatos denunciados estão inseridos no
    âmbito de proteção do direito às garantias judiciais. Com efeito, o
    artigo 8(1) da  Convenção
    estabelece, entre outras, que toda pessoa tem o direito a ser ouvida, com as
    devidas garantias, por um juiz competente. Os peticionários alegam que o
    senhor Bruce Harris foi privado do direito a ser julgado por um jurado
    conforme disposto no artigo 35 da  Constituição
    guatemalense para os delitos ou faltas relativos à manifestação do
    pensamento.    50.         
    Quanto aos fatos alegados relativos à discriminação na que teria
    incorrido o poder judicial guatemalense ao excluir Bruce Harris da aplicação
    do artigo 35 da  Constituição
    da  República da Guatemala, dado que este não tem qualidade de
    jornalista, a Comissão considera que poderia caracterizar uma violação ao
    direito à igualdade perante a lei consagrado no artigo 24 da  Convenção Americana.   51.         
    Finalmente, os peticionários argumentaram que a mera existência de
    leis que tipificam a calúnia e injúria, bem como a submissão de uma
    pessoa a um processo penal em virtude destas leis, constitui per
    se uma violação ao artigo 13 da  Convenção
    Americana, independentemente ou não da resolução do procedimento mediante
    uma sentença. A Comissão considera que estas alegações devem ser
    examinadas na  etapa de mérito
    da  questão, a fim de determinar se os fatos denunciados
    constituem violação ao artigo 13 da  Convenção
    Americana.   52.         
    Por conseguinte, sem prejulgar o mérito da questão, a Comissão
    considera que foram satisfeitos os requisitos previstos no artigo 47(b) e
    (c) do referido instrumento internacional.   V.         
    CONCLUSÕES   53.         
    A Comissão considera que tem competência para conhecer esta denúncia
    e que a petição é  admissível
    no que se refere aos requisitos de admissibilidade estabelecidos nos  artigos
    46 e 47 da  Convenção
    Americana sobre Direitos Humanos e as alegadas violações aos artigos 8, 13
    e 24 da  mesma.   54.         
    Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem  prejulgar
    o mérito do caso,   A
    COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,   DECIDE:   1.         
    Declarar admissível o presente caso no que se refere às supostas
    violações aos direitos protegidos nos  artigos
    8, 13 e 24 da  Convenção
    Americana.   2.         
    Notificar
    as partes desta decisão.   3.         
    Continuar com a análise sobre o mérito da questão, e   4.         
    Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser
    apresentado à Assembléia Geral da  OEA.   Dado
    e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
    cidade de Washington, D.C., no dia 28 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan
    Méndez, Presidente;
    José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, Membros da Comissão  Robert
    K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts. 
 [ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] [1]
        A Membro da Comissão Sra. Marta Altolaguirre, de nacionalidade
        guatemalense, não participou na discussão e votação do presente
        relatório, em cumprimento do artigo 17(2)(a) do novo Regulamento da 
        Comissão. [2]
        Numa conferência de imprensa outorgada por Bruce Harris em 1997, este
        assinalou que a funcionária do cartório a senhora Susana de Umaña,
        por ser cônjuge do presidente da 
        Corte Suprema de Justiça, instiga funcionários do poder
        judicial e em geral favorece a tramitação das adoções pressionando e
        forçando os promotores nas diferentes instituições do governo para
        que tramitem seus casos o mais rápido possível.  [3]
        Sentença da 
        Corte no caso Velásquez Rodríguez de 29 de julho de 1988, par.
        64. Ver
        também a sentença da 
        Corte no caso Godínez Cruz de 20 de janeiro de 1989, par. 67, e
        a sentença no caso Fairén Garbi e Solís Corrales de 15 de março de
        1989, par. 88. [4]
        Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC-9/87 de
        6 de outubro de 1987 (artigos 27.2, 25, 8, par. 24). 
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