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| RELATÓRIO
    N°41/02 ADMISSIBILIDADE PETIÇÃO 11.748 JOSÉ
    DEL CARMEN ÁLVAREZ BLANCO E OUTROS (COMUNIDADE BELLO) COLÔMBIA 9
    de outubro de 2002     I.                  
    RESUMO  1.         
    Em 5 de maio de 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
    (doravante denominada “a Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma petição
    apresentada pela  Associação de Familiares dos Detidos e Desaparecidos de Colômbia
    (FEDEFAM), a Federação Latinoamericana de Associações de Familiares de
    Detidos e Desaparecidos (ASFADDES) e a Comissão Colombiana de Juristas (CCJ)
    (doravante denominados “os peticionários”), a qual alega a
    responsabilidade de agentes da República da Colômbia (doravante
    denominada, “o Estado” ou “o Estado colombiano”) pela tortura e
    desaparecimento de José del Carmen Álvarez Blanco, Fermín Agresor Moreno,
    Víctor Manuel Argel Hernández, Genor Arrieta Lara, Cristóbal Manuel
    Arroyo Blanco, Diomédes Barrera Orozco, Urías Barrera Orozco, José
    Encarnação Barrera Orozco (menor), Ricardo Manuel Bohórquez Pastrana,
    Jorge Fermín Calle Hernández, Jorge Arturo Castro Galindo, Ovidio Carmona
    Suárez, Genaro Benito Calderón Ramos, Juan Miguel Cruz Ruiz, Ariel
    Euclides Diaz Delgado, Camilo Antonio Durango Moreno, Juan Luis Escobar
    Duarte, José Leonel Escobar Duarte, César Augusto Espinoza Pulgarín,
    Wilson Flórez Fuentes, Andrés Manuel Flórez Altamira, Santiago Manuel
    Gonzáles López, Carmelo Guerra Pestana, Miguel Ángel Gutiérrez Arrieta,
    Lucio Miguel Hurzula Sotelo, Ángel Benito Jiménez Julio, Manuel Ángel López
    Cuadrado, Jorge Martínez Pacheco, Mario Melo, Carlos Melo, Juan Mesa
    Serrano, Pedro Antonio Mercado Montes, Manuel de Jesús Montes Martínez
    (menor), Luis Carlos Pérez Ricardo, Miguel Pérez, Raúl Antonio Pérez
    Martínez, Benito José Pérez Pedroza, Euclides Ricardo Pérez, Andrés
    Manuel Pedroza Jiménez, José Manuel Petro Hernández, Luis Miguel Salgado
    Barrios, Célimo Urrutia Hurtado, e Eduardo Zapata, durante uma incursão
    paramilitar perpetrada em 14 de janeiro de 1990 na comunidade Bello, Município
    de Turbo, Estado de Antioquia.   2.         
    Os peticionários alegaram que o Estado era responsável pela violação
    do direito a vida, a integridade e a liberdade pessoais consagrados nos
    artigos 4, 5  e 7 da Convenção
    Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção
    Americana” ou “a Convenção”) bem como das garantias judiciais
    previstas nos artigos 8 e 25 do  Tratado,
    em detrimento das vítimas e seus familiares e da obrigação genérica de
    respeitar  e garantir os
    direitos nela protegidos. Com relação a admissibilidade da petição, os
    peticionários alegaram que são aplicáveis as exceções ao esgotamento
    dos recursos internos previstas nos artigos 46(2)(a) e 46(2)(c) da  Convenção. 
    O Estado alegou que não se havia provado a participação de agentes
    estatais nos fatos denunciados e que os tribunais locais tinham atuado
    conforme a lei, motivo pelo qual não se tinha violado nenhum direito
    consagrado na Convenção Americana.   3.         
    Após analisar as posições das partes, a Comissão concluiu que é
    competente para conhecer o caso apresentado pelos peticionários, e que este
    é admissível, à luz dos artigos 46 e 47 da  Convenção
    Americana.   II.                
    TRÂMITE
    PERANTE A COMISSÃO  4.         
    Em 12 de fevereiro de 1990, a Comissão recebeu uma ação urgente na
    qual se denunciava o desaparecimento de 43 camponeses da comunidade Bello. 
    Na mesma data, sob o número 10.566, a CIDH dirigiu-se ao Estado com
    o objetivo de solicitar informação conforme o Regulamento vigente até 30
    de abril de 2001. O Estado apresentou sua resposta em 10 de maio de 1990, a
    qual foi remetida ao denunciante em 26 de junho de 1990, outorgando-lhe um
    prazo de 30 dias para formular observações. 
    Em 6 de dezembro de 1990 a CIDH recebeu  informação
    de outra fonte sobre o assunto, a qual foi enviada ao Estado para suas
    observações.  O Estado
    apresentou sua resposta em 16 de agosto de 1991. 
    A Comissão tentou comunicar-se com o denunciante original mediante
    comunicações escritas e datadas de 9 de junho de 1993 e 18 de janeiro de
    1994, sem êxito.  Em 3 de
    janeiro de 1997, a Comissão solicitou informação atualizada sobre o
    assunto ao Estado.   5.         
    Em 5 de maio de 1997, a Comissão recebeu uma petição apresentada
    por ASFADDES, FEDEFAM e a CCJ em relação aos mesmos fatos, alegando violações
    a Convenção Americana, e iniciou um novo trâmite sob o número 11.748. 
    Em 7 de maio de 1997 a Comissão informou ao Estado colombiano a
    abertura do caso 11.748 e lhe outorgou um prazo de 90 dias para responder a
    petição.  Em 20 de maio de
    1997 o Estado comunicou-se com a CIDH a fim de fazer referência ao trâmite
    iniciado sob o número 10.566 e, em resposta, em 28 de maio de 1997 a Comissão
    informou ambas partes que os fatos matéria do presente assunto seriam
    acumulados e processados no  expediente
    número 11.748.  Em 12 de junho
    de 1997 os peticionários remeteram informação adicional, a qual foi
    enviada ao Estado para suas observações em 24 de junho de 1997.   6.         
    Em 24 de fevereiro de 1998, durante o 98°
    período de sessões, foi celebrada uma audiência na qual os peticionários
    apresentaram informação adicional.  Em
    3 de março de 1998, a Comissão dirigiu-se a ambas partes a fim de
    colocar-se à disposição para efeitos de alcançar uma solução amistosa
    do assunto, e lhes outorgou um prazo de 30 dias para apresentar sua resposta.
    O Estado solicitou uma prorrogação, a qual foi concedida em 16 de abril de
    1998.  Em 31 de març de 2000 a
    Comissão informou ao Estado que o Centro pela  Justiça
    e o Direito Internacional tinha-se incorporado ao trâmite como co-peticionário.   7.         
    Em 10 de outubro de 2000, durante o 108°
    período de sessões, a Comissão celebrou uma audiência com a participação
    de ambas partes.  Em 3 de
    novembro de 2000, a Comissão trasladou ao Estado a  informação
    apresentada pelos peticionários na audiência, outorgando-lhes um prazo de
    30 dias para apresentar suas observações. 
    O Estado apresentou suas observações em 5 de dezembro de 2000.     III.              
    POSIÇÕES DAS PARTES   A.               
    Posição dos peticionários   8.         
    Os peticionários alegam que em 14 de janeiro de 1990, dois caminhões
    que transportavam aproximadamente 60 homens armados e uniformados
    ingressaram de madrugada no corregimento da Comunidade Bello, Município de
    Turbo, estado de Antioquia e invadiram várias residências e uma igreja
    evangélica em busca dos habitantes da comunidade. 
    Os homens armados detiveram um número de pessoas e as forçaram a
    deitarem-se de boca para abaixo na praça principal. Posteriormente
    selecionaram 43 camponeses, os amordaçaram e os levaram, sendo que estes
    nunca mias foram vistos com vida.  Antes
    de retirarem-se em direção a San Pedro de Urabá, os homens armados
    incendiaram três imóveis e disseram aos habitantes da comunidade Bello:
    “Isto é para que respeitem ‘Los Tangueros’ ”, presudamente
    referindo-se ao grupo paramilitar então liderado por Fidel Castaño,
    proveniente da  fazenda  “Las Tangas”, situada as margens do Río Sinú no estado
    de Córdoba.   9.                
    A informação
    assinala que os veículos paramilitares passaram pelas barricadas
    fiscalizadas pelos Batalhões Vélez e Cóndor sem serem detidos ou
    questionados.  Os peticionários
    alegam que os 43 camponeses retidos foram levados a fazenda Santa Mónica no
    estado de Córdoba, onde os esperava o então líder paramilitar Fidel Castaño.
    Alegam que foram interrogados e brutalmente torturados no local: as veias de
    seus corpos foram furadas, seus olhos perfurados, seus ouvidos tapados, seus
    orgãos genitais mutilados.  Finalmente
    foram  executados um a um.   10.           
    No que
    respeita a responsabilidade dos agentes do Estado, os peticionários alegam,
    por um lado, que a ofensiva paramilitar teve sua origem nos 
    destacamentos do  Exército contra os camponeses da comunidade Bello. 
    Alegam que membros do Exército interpretaram a atitude passiva
    destes camponeses perante um incidente de roubo de gado pertencente a Fidel
    Castaño como símbolo de sua suposta afiliação a guerrilha. 
    Argumentam que as autoridades das bases militares e barricadas de San
    Pedro de Urabá não somente permitiram a passagem dos veículos
    paramilitares mas também colaboraram diretamente com o 
    grupo armado ilegal.  Segundo
    surge das alegações dos peticionários, uma vez consumados os fatos,
    membros da  comunidade Bello dirigiram-se as bases militares a fim de
    solicitar informação sobre o paradeiro das pessoas desaparecidas e
    posteriormente foram vítimas de atos de intimidação.   11.         
    Os peticionários alegam que em abril de 1990 foram exumados  24
    corpos da  fazenda Las Tangas,
    seis dos quais foram [1]
    identificados como camponeses da comunidade Bello. 
    O resto das vítimas permaneceram desaparecidas. 
    Alegam que apesar de existir indícios sobre a localização dos
    demais cadáveres, não haviam sido realizadas as  diligências
    necessárias para levar adiante novas exumações.    12.         
    Quanto a investigação iniciada pelas autoridades judiciais, os
    peticionários alegam que a atividade da Jurisdição de Ordem Pública de
    Medellín e a Promotoria Regional Delegada não conduziu ao esclarecimento
    total dos fatos nem a sanção dos responsáveis. 
    Sustentam que apesar de ter-se verificado a responsabilidade penal de
    13 pessoas conforme os fundamentos da sentença decretada em 26 de maio de
    1997 pelo  Julgado Regional de
    Medellín, somente uma delas foi condenada (José Aníbal Rodríguez Urquijo)
    e três foram  privadas de sua
    liberdade (José Aníbal Rodríguez Urquijo, Héctor de Jesús Narváez e
    Pedro Hernán Ozaga Pantoja).  Alegam
    que não foi avaliada a participação de outras pessoas acusadas de estarem
    envolvidas, nem  foram
    realizadas as diligências necessárias para recuperar os corpos das vítimas.  Após sete anos de ocorridos os fatos, foi determinada a  responsabilidade
    de um número de civis pela  morte
    de seis das vítimas mas as violações cometidas em detrimento do resto das
    vítimas continuam impunes e seus corpos desaparecidos. 
    Vários dos acusados foram julgados in
    absentia sem que fossem capturados. 
    Os peticionários alegam também que os processos perante a justiça
    penal militar violam os princípios de imparcialidade e independência
    salvaguardados pela Convenção Americana.   13.           
    Os peticionários
    alegam, portanto, que o Estado colombiano é responsável pela  violação
    dos artigos 4, 5, 7, 8 e 25 da  Convenção
    Americana. Defendem que o Estado deve reparar estas violações mediante a
    sanção dos responsáveis, a localização dos restos das vítimas e sua
    identificação, e a compensação aos familiares.   14.         
    Com relação
    à admissibilidade da petição, argumentam que neste caso, o  requisito
    de admissibilidade previsto no artigo 46(1) da  Convenção
    não resulta exigível, por aplicação das excepções ao esgotamento dos
    recursos internos previstas no artigo 46(2)(a) e (c). 
    Por um lado alegam que o Estado demorou a esclarecer a morte de 37
    das vítimas perante a justiça ordinária. 
    Também alegam que o recurso utilizado para esclarecer a
    responsabilidade dos membros do Exército supostamente envolvidos nos fatos,
    a justiça penal militar, não é adequada conforme os termos do artigo
    46(2)(a) da  Convenção
    Americana.   B.                
    Posição do Estado   15.           
    No que se
    refere à alegada participação dos agentes estatais nos fatos matéria do
    presente caso, o Estado defende que os membros do Exército supostamente
    envolvidos foram absolvidos mediante as decisões já proferidas no âmbito
    judicial ordinário, penal militar e disciplinário. 
    Considera que estas decisões são fundamentadas e concluem que não
    existiu vinculação entre os agentes do Estado e os fatos cometidos pelos
    grupos paramilitares.  Alegam
    que as afirmações dos peticionários baseiam-se em prova produzida perante
    os tribunais locais tirada fora do contexto.[2]   16.           
    O Estado
    alega que os mecanismos judiciais internos destinados a esclarecer os fatos
    e julgar os responsáveis funcionaram e que continuam tentando localizar os
    corpos do resto das vítimas.[3] 
    O Estado apresenta informação sobre o processo no qual a Direção
    Regional de Promotorias de Medellín proferiu resolução de acusação
    contra 13 civis em 10 de novembro de 1995. 
    Esta resolução ordenou que não se investigara as outras três
    pessoas acusadas de pertencer a grupos armados, e esta foi confirmada pela
    Promotoria delegada perante o Tribunal Nacional. Assinala que, entre março
    e abril de 1995, foram realizadas diligências de exumação nas quais foram
    localizadas e identificadas parte das vítimas.[4] 
    Em 26 de maio de 1997 o Julgado Regional de Medellín condenou em
    primeira instância Fidel Castaño Gil e outras nove pessoas a penas de 12 a
    30 anos de prisão e ao pagamento de multas pelos delitos de homicídio múltiplo,
    formação de quadrilha, sequestro, porte ilegal de armas de uso privativo,
    e violação do decreto 1194 de 1997.  A
    sentença foi apelada e em 30 de dezembro de 1997 o Tribunal Nacional
    decretou a nulidade do processo relacionado às vítimas da comunidade Bello
    cujos restos não haviam sido encontrados. 
    O Estado indica que esta sentença modificou as penas e ordenou
    investigar os co-partícipes não incluídos na resolução de acusação
    original[5]. 
    Alega que o senhor José Rodríguez Urquijo aceitou os cargos de
    sequestro e extorsão, homicídio agravado e criação de grupos
    paramilitares dentro deste processo e foi condenado a 22 anos de prisão
    mediante sentença antecipada.  A
    causa foi enviada à consideração da Corte Suprema de Justiça.   17.           
    Quanto ao
    julgamento de membros do Exército por sua suposta participação nos fatos
    matéria do presente caso, o Estado faz referência a quatro decisões
    emitidas pela  justiça penal
    militar.  Em primeiro lugar, em
    21 de janeiro de 1992 foram emitidas duas resoluções absolutórias. 
    Em 11 de setembro de 1995 o Comando Geral das Forças Militares da
    Colômbia emitiu uma decisão na qual resolveu que não existia mérito para
    abrir formalmente uma investigação penal. 
    Por último, em 14 de abril de 1998 o Exército Nacional manifestou
    que a vinculação das Forças Militares aos fatos baseia-se somente em
    suposições e denúncias genéricas, e não em provas concretas. 
    O Estado conclui que, dados os resultados das investigações
    judiciais e disciplinárias dos fatos, a responsabilidade é exclusivamente
    atribuível ao grupo paramilitar e não a membros do Exército.[6]   18.           
    O Estado
    também informa que em 27 de novembro de 1991 a Procuradoria  Delegada
    para a Defesa dos Direitos Humanos decidiu arquivar os processos disciplinários
    contra oficiais do Exército e abrir outra investigação pela possível
    participação de outros agentes estatais nos fatos. 
    Em 10 de março de 1999 foi emitido um auto de acusação contra um
    tenente do Exército, mas em 31 de junho de 2000 a Procuradoria Delegada
    para os Direitos Humanos emitiu decisão absolutória a favor do acusado.[7]   IV.             
    ANÁLISE SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE   A.               
    Competência   19.         
    Os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção
    Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala
    como supostas vítimas a pessoas individuais,  a
    respeito das quais a Colômbia comprometeu-se a respeitar e garantir os
    direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a
    Comissão assinala que a Colômbia é um Estado parte na Convenção
    Americana desde  31 de julho de
    1973, data em que foi depositado o instrumento de ratificação respectivo.
    Portanto, a Comissão tem competência ratione
    pessoae para examinar a petição.            
    20.         
    A Comissão tem competência ratione
    loci para conhecer a petição, visto que a mesma alega violações de
    direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do
    território de um Estado parte deste tratado. A CIDH tem competência ratione
    temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os direitos
    protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o Estado na
    data em que ocorreram os fatos alegados na petição. Finalmente, a Comissão
    tem competência ratione materiae,
    porque a petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela
    Convenção Americana.    B.                
    Requisitos de Admissibilidade   1.                
    Esgotamento dos recursos internos e prazo de apresentação da petição 21.         
    O artigo 46(1) da Convenção Americana estabelece como requisito de
    admissibilidade de uma petição o  prévio
    esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna do Estado. 
    No presente caso, os peticionários alegam que o julgamento perante  a
    justiça militar dos agentes do Estado supostamente envolvidos nos fatos
    privou as vítimas e seus familiares do acesso a um recurso adequado e
    efetivo.  Também alegam que
    houve uma demora injustificada no esclarecimento dos fatos, a localização
    dos restos de 37 das vítimas e a responsabilidade de todos os civis
    implicados.  Os peticionários
    concluem argumentando que no presente caso o requisito de admissibilidade
    previsto no artigo 46(1) da  Convenção
    não deve ser exigido, por aplicação das exceções ao esgotamento dos
    recursos internos previstas no artigo 46(2)(a) e (c). 
    O Estado, por sua parte, apresentou informação sobre os resultados
    obtidos pela  jurisdição militar e ordinária e sobre as investigações
    pendentes.            
    22.         
    O artigo 46(2) da Convenção prevê que o requisito de prévio
    esgotamento dos recursos internos não é aplicável quando:   a)
    não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido
    processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham
    sido violados; b)
    não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso
    aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los;
    e c)
    houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.   Segundo
    estabelecido pela Corte Interamericana, toda vez que um Estado alega a falta
    de esgotamento dos recursos internos por parte do peticionário, este tem o
    ônus de demostrar que os recursos que não foram esgotados são
    “adequados” para corrigir a violação alegada, isto é, que a função
    desses recursos dentro do sistema do direito interno é idônea para
    proteger a situação jurídica infringida.[8]            
    23.         
    A Comissão considera pertinente referir-se às condições de
    esgotamento dos recursos internos nos presente caso por várias razões: em
    primeiro lugar, no que se refere às causas ventiladas perante a justiça
    penal militar e, em segundo lugar, as perspectivas de efetividade das causas
    que tramitam perante a justiça ordinária e as investigações pendentes.   24. A Comissão pronunciou-se reiteradamente no sentido de que a jurisdição militar não constitui um foro apropriado e portanto não oferece um recurso adequado para investigar, julgar e punir violações aos direitos humanos consagrados na Convenção Americana, supostamente cometidas por membros da força pública ou com sua colaboração ou aquiescência.[9] A Corte Interamericana confirmou que a justiça penal militar somente constitui uma instância adequada para julgar militares pelo cometimento de delitos ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios da ordem militar.[10] O julgamento na justiça militar de membros do Exército supostamente envolvidos no massacre por ação ou omissão não constitui um remédio adequado para esclarecer sua responsabilidade nas graves violações denunciadas, nos termos do artigo 46(1) da Convenção Americana.          
    25.         
    Com relação à atividade empreendida pela justiça ordinária, a
    informação aportada por ambas partes indica que em 26 de maio de 1997, o
    Julgado Regional de Medellín condenou em primeira instância o líder
    paramilitar Castaño Gil e outras nove pessoas a penas de 12 e 30 anos de
    prisão e ao pagamento de multas pelos delitos de homicídio múltiplo,
    formação de quadrilha, sequestro, porte ilegal de armas de uso privativo,
    e violação do decreto 1194 de 1997.  Cabe
    esclarecer que transcorridos mais de cinco anos de decretada  esta sentença somente três dos dez condenados (José Aníbal
    Rodríguez Urquijo, Héctor de Jesús Narváez e Pedro Hernán Ozaga Pantoja)
    encontram-se presos.  O resto
    das ordens de detenção não foram ainda cumpridas.            
    26.         
    Em 30 de dezembro de 1997 o Tribunal Nacional decretou a nulidade do
    processo com relação as vítimas da comunidade Bello cujos restos não
    haviam sido encontrados e ordenou investigar os co-partícipes não incluídos
    na resolução de acusação original.  Esta investigação permanece aberta, depois de doze anos de
    ocorridos os fatos. Como regra geral, uma investigação penal deve ser
    realizada prontamente para proteger os interesses das vítimas, preservar a
    prova e salvaguardar os direitos de toda pessoa que, no contexto da  investigação, seja considerada suspeita. A falta de vinculação
    de vários dos partícipes nos fatos do caso, somada à falta de execução
    da captura do líder paramilitar e outras pessoas condenadas in absentia, constituem uma manifestação de atraso e das escassas
    perspectivas de efetividade deste recurso para efeitos do requisito
    estabelecido no artigo 46(2) da  Convenção
    Americana.[11] 
    Segundo assinalado pela Corte Interamericana, embora  toda investigação penal deva cumprir com uma série de
    requisitos legais, a regra do prévio esgotamento dos recursos internos não
    deve conduzir a que a atuação internacional em auxílio das vítimas se
    detenha ou demore até a inutilidade.[12]            
    27.         
    Sendo asssim, dadas as características do presente caso, a Comissão
    considera que são aplicáveis as exceções previstas no artigo 46(2)(a) e
    (c) da  Convenção Americana,
    motivo pelo qual o requisito previsto em matéria de esgotamento de recursos
    internos não é aplicável.  Tampouco
    é exigível o cumprimento do prazo de seis meses previsto no artigo
    46(1)(b) da Convenção, toda vez que a petição for apresentada dentro do
    prazo razoável estipulado pelo artigo 32(2) de seu Regulamento para os
    casos nos quais não foi prolatada sentença transitada em julgado anterior
    à apresentação da  petição.            
    28.         
    Cabe ressaltar que a invocação das exceções à regra do
    esgotamento dos recursos internos previstas no artigo 46(2) da  Convenção
    encontra-se estreitamente ligada à determinação de possíveis violações
    a certos direitos nela consagrados, tais como as garantias de acesso a justiça. 
    Entretanto, o artigo 46(2), por sua natureza e objeto, a Convenção
    é uma norma com conteúdo autônomo, vis
    á vis as normas substantivas da mesma. 
    Portanto, a determinação da possibilidade das exceções à regra
    do esgotamento dos recursos internos previstas nesta norma serem aplicáveis
    ao caso em questão deve ser realizada de maneira prévia e separada da análise
    de mérito do assunto, já que depende de um padrão de apreciação
    distinto daquele utilizado para determinar a violação dos artigos 8 e 25
    da  Convenção. 
    Cabe esclarecer também que as causas e os efeitos que impediram o
    esgotamento dos recursos internos no presente caso serão analisados, no que
    for pertinente, no Relatório a ser adotada pela Comissão sobre o mérito
    da  controvérsia, a fim de
    constatar se efetivamente configuram violações a Convenção Americana.   2.                
    Duplicação de procedimentos e coisa julgada            
    29.         
    Não surge do expediente que a matéria da  petição
    encontre-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional,
    nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão
    internacional.  Portanto, cabe
    dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d)
    da  Convenção.   3.                
    Caracterização dos fatos alegados            
    30.         
    A Comissão considera que as alegações dos peticionários sobre
    supostas violações ao direito a vida, a integridade e liberdade pessoal,
    bem como as garantias judiciais no assunto matéria do presente relatório,
    poderiam caracterizar violações aos direitos das vítimas e de seus
    familiares, consagrados nos artigos 1(1), 4, 5, 7, 8 e 25 da  Convenção Americana.  Da
     informação provida pelas
    partes surge que duas das vítimas --Manuel de Jesús Montes Martínez e José
    Encarnação Barrera Orozco-- eram menores de idade, desta forma, na ocasião
    de decidir sobre o mérito do assunto, a CIDH determinará se corresponde
    examinar as obrigações internacionais do Estado com relação ao artigo 19
    da Convenção Americana.   V.               
    CONCLUSÕES            
    31.         
    A Comissão conclui que é competente para examinar a petição
    apresentada pelos peticionários sobre a suposta violação do direito a
    vida, a integridade e a liberdade pessoais dos 43 camponeses da comunidade
    Bello, bem como sobre a proteção judicial devida as vítimas e seus
    familiares.            
    32.         
    Em função dos argumentos de fato e de direito expostos
    anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,   A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
    HUMANOS,   DECIDE:   1.       
    Declarar admissível o caso sob estudo em relação aos artigos 1(1),
    4, 5, 7, 8, 25 da  Convenção
    Americana.   2.       
    Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.   3.       
    Iniciar o trâmite sobre o mérito da questão.   4.       
    Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser
    apresentado à Assembléia Geral da  OEA.            
    Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos
    Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 9 dias do mês de outubro de
    2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primer Vice-presidente;
    José Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Membros da Comissão  Robert
    K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert e Susana Villarán. 
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        Os cadáveres encontrados seriam de Andrés Manuel Pedroza, Juan Luis
        Escobar Duarte, Leonel Escobar Duarte, Ovidio Carmona Suárez, Ricardo
        Bohórquez e Jorge David Martínez. [2]
        Comunicação do Ministério de Relações Exteriores da República de
        Colômbia, de 5 de dezembro de 2000. [3]
        Ibidem. [4]
        Ibidem. [5]
        A
        Comissão foi informada de que em 8 de março de 2001 a Câmara de Cassação
        Penal da Corte Suprema de Justiça decidiu não cassar a decisão
        impugnada por Pedro Hernán Ozaga Pantoja, Sentença da 
        Sala de Cassação Penal da 
        Corte Suprema de Justiça da 
        República de Colômbia, de 8 de março de 2001. [6]
        Comunicação do Ministério de Relações Exteriores da 
        República de Colômbia, de 5 de dezembro de 2000. [7]
        Ibidem. [8]
        Corte IDH Caso Velásquez Rodríguez,
        Sentença de 29 de juhio de 1988, parágrafo 64. [9]
        CIDH Terceiro Relatório sobre a
        Situação dos Direitos Humanos em Colômbia (1999), pág. 175; Segundo
        Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos em Colômbia (1993),
        pág. 246; Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos em Brasil
        (1997), páginas 40-42. [10]
        Corte IDH Caso Durand e Ugarte,
        Sentença de  16 de agosto
        de 2000, parágrafo 117. [11]
        Ver Relatório de Admissibilidade
        Nº 57/00, Relatório Anual da  CIDH
        2000, parágrafo 44. [12]
        Corte I.D.H. Caso Velásquez Rodríguez,
        Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de
        1987, parágrafo 93. |