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| RELATÓRIO
    Nº 40/02 ADMISSIBILIDADE* PETIÇÃO
    12.167 ARGÜELLES
    E OUTROS ARGENTINA 9
    de outubro de 2002     I.            
    RESUMO  1.           
    O presente relatório refere-se à admissibilidade da petição
    12.167.  A Comissão
    Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão
    Interamericana”, “Comissão” ou “CIDH”) abreu o presente caso após
    receber uma série de denúncias apresentadas entre 5 de junho e 28 de
    outubro de 1998, em nome de 21 pessoas: Hugo Oscar Argüelles, Miguel Ángel
    Maluf, Miguel Ramón Taranto, Ambrosio Marcial, Miguel Oscar Cardozo, Julio
    César Allendes, Luis José López Mattheus, Enrique Jesús Aracena, Félix
    Oscar Morón, Ricardo Omar Candurra, Carlos Julio Arancibia, José Eduardo
    Di Rosa, Enrique Luján Pontecorvo, Aníbal Ramón Machín, Carlos Alberto
    Galluzzi, Gerardo Feliz Giordano, Nicolás Tomasek, José Arnaldo Mercau,
    Alberto Jorge Pérez, Horacio Eugenio Oscar Muñoz e Juan Italo Obolo. 
    Dada a estreita semelhança entre as alegações de fato e de direito
    apresentadas, as denúncias respectivas foram acumuladas em um único
    expediente, que corresponde ao número 12.167 (doravante denominado “a
    petição”).  As seguintes pessoas atuaram como peticionários em
    representação de uma ou mais das supostas vítimas nos procedimentos
    perante a Comissão: Hugo Oscar Argüelles; advogados Ruth Irene Friz
    (posteriormente falecida), Alberto Antonio De Vita e Ángel Mauricio Cueto;
    advogado Eduardo Barcesat, e advogado Juan Carlos Vega (doravante
    denominados  “os peticionários”). 
                  
    2.           
    As supostas vítimas foram processadas por defraudação militar e
    delitos conexos em procedimentos iniciados em setembro de 1980. 
    Os delitos em questão referiam-se à administração de méritos
    militares ao longo de vários anos, e foram cometidos em diversas dependências
    e instalações das Forças Armadas.  Estes
    procedimentos terminaram em abril de 1998 com o indeferimento pela Corte
    Suprema do “recurso de fato” interposto contra suas condenações. 
    Os peticionários alegam que as supostas vítimas foram privadas
    arbitrária e ilegalmente de sua liberdade, posto que foram  mantidas
    em prisão preventiva por períodos de mais de sete ou oito anos e
    submetidas a detenção sem comunicação por períodos de vários dias
    entre a data inicial de sua detenção e a de suas declarações. 
    Argumentam que as supostas vítimas não foram julgadas dentro de um
    prazo razoável e sofreram múltiplas violações de seu direito a proteção
    e as garantias judiciais, incluidas a falta de adequada assistência jurídica
    e a sistemática transgressão do princípio de igualdade processual das
    partes entre a promotoria e a defesa.  Defendem
    que o regime de justiça militar aplicado era incompatível com os
    requisitos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
    denominada “Convenção Americana”), e afirmam que foram cometidas violações
    conexas do direito de apelar de uma condenação perante um tribunal
    superior.  Os peticionários
    indicam que as atuações as que foram submetidas as supostas vítimas
    implicaram violação dos  direitos
    a liberdade pessoal (artigo 7); proteção e garantias judiciais (artigos 25
    e 8), igual proteção da lei (artigo 24); a receber o benefício a uma pena
    mais leve disposta por lei posterior ao cometimento do delito (artigo 9), e
    de serem indenizados em caso de terem sido condenados por sentença
    transitada em julgado por erro judicial (artigo 10), reconhecidos na Convenção
    Americana.               
    3.           
    O Estado argumenta que as supostas vítimas, integrantes das Forças
    Armadas na época do cometimento dos  delitos
    pelos quais foram processadas, foram julgadas conforme o direito
    estabelecido pelo sistema de justiça militar, que protege valores específicos
    e necessariamente possui características especiais. 
    O Estado destaca que os procedimentos em questão eram complexos,
    pois referiam-se a numerosos acusados e a diversos lugares; que o expediente
    do caso era volumoso, e que implicou uma investigação sumamente técnica
    sobre questões contábeis e fraudes.  Em
    suma, o Estado considera inadmissível a petição, em primeiro lugar,
    porque as principais alegações formuladas foram consideradas pelas
    autoridades militares e judiciais competentes e declaradas infundadas. 
    Em segundo lugar, o Estado sustenta que as supostas vítimas nunca
    interpuseram os recursos judiciais tendentes a obter a indenização que
    agora reclamam perante a Comissão. Em terceiro lugar, o Estado alega que,  em
    todo caso, os peticionários não aduziram a nenhum fato que caracterizasse
    uma violação da Convenção.   4.           
    Como assinalado mais adiante, o exame do caso levou a Comissão a
    concluir que é competente para conhecer as denúncias dos peticionários no
    que se refere as supostas violações dos artigos 1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25 da
    Convenção Americana e, na medida pertinente, dos  artigos
    I, XXV e XXVI da Declaração Americana dos  Direitos
    e Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração Americana”), e
    que o caso é admissível conforme o disposto pelos artigos 46 e 47 da
    Convenção Americana.  A Comissão
    concluiu que as denúncias referentes ao artigo 9 da Convenção Americana são
    inadmissíveis.   II.           
    TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO  5.           
    As comunicações principais que servem de base à petição 12.167
    foram  recebidas segundo os seguintes detalhes (algumas supostas vítimas
    mencionam mais de uma vez):  (1)
    5 de junho de 1998, Hugo Oscar Argüelles; (2) 10 de setembro de 1998,
    Miguel Ángel Maluf; (3) 11 de setembro de 1998, Hugo Oscar Argüelles,
    Miguel Ramón Taranto, Ambrosio Marcial e Miguel Oscar Cardozo; (4) 11 de
    setembro de 1998, Julio Cesar Allende e Luis José López Mattheus; (5) 11
    de setembro de 1998, Enrique Jesús Aracena e Félix Oscar Morón; (6) 11 de
    setembro de 1998, Nicolás Tomasek; (7) 11 de setembro de 1998, Juan Italo
    Obolo e Alberto Jorge Pérez; (8) 11 de setembro de 1998, Gerardo Félix
    Giordano, Enrique Jesús Aracena, José Arnaldo Mercau, Carlos Julio
    Arancibia, Félix Oscar Morón, Miguel Oscar Cardozo, Luis José López
    Mattheus, Julio Cesar Allende, Ambrosio Marcial, Alberto Jorge Pérez,
    Horacio Eugenio Oscar Muñoz e Juan Italo Obolo; (9) 15 de setembro de 1998,
    Carlos Alberto Galluzzi; (10) 28 de outubro  de 1998, Ricardo Omar Candurra, Carlos Julio Arancibia, José
    Eduardo di Rosa, Enrique Lujan Pontecorvo e Aníbal Ramón Machin. 
    Em 1º de dezembro  de 1998, foi apresentada uma comunicação adicional em nome
    de 15 das pessoas já nomeadas.   6.           
    A seguir está o resumo das principais etapas do procedimento. 
    Em 7 de junho de 1999,  a
    Comissão transmitiu ao Estado as partes pertinentes da petição 12.167,
    solicitando que apresentasse uma contestação dentro de  90
    dias.  Por nota dessa mesma data
    se informou  aos respectivos
    peticionários que se havia iniciado o trâmite da petição.   7.           
    Por nota de 7 de setembro de 1999, o Estado solicitou uma prorrogação
    do  prazo de que dispunha para apresentar sua resposta. 
    Em 13 de setembro 1999, a Comissão concedeu ao Estado mais 60 dias,
    e informou aos peticionários sobre a medida adotada. 
    Em 11 de novembro de 1999, o Estado solicitou uma prorrogação
    adicional, a qual foi concedida por mais 30 dias e os peticionários foram
    informados desta medida.     8.           
    O Estado apresentou sua resposta em 28 de dezembro de 1999. 
    A mesma foi transmitida aos peticionários em 5 de janeiro de 2000, e
    se lhes solicitou que apresentassem suas observações dentro de um prazo de
    60 dias.  Diversos peticionários
    apresentaram suas observações nos dias 7 de fevereiro, 22 de feveiro, 3 de
    março, 6 de março, 8 de março e 1º de maio de 2000. 
    Estas observações foram transmitidas ao Estado em 24 de maio de
    2000, solicitando-lhe a apresentação de observações dentro de um prazo
    de 60 dias.  Em 5 de junho de
    2000, foi recebida informação adicional dos  peticionários,
    a qual foi transmitida ao Estado em 9 de junho de 2000. 
    Por nota de 7 de julho de 2000, a Comissão esclareceu as que as
    observações formuladas com caráter de resposta a ambas comunicações
    deviam ser apresentadas  dentro
    de um prazo de 60 dias contados a partir de 9 de junho de 2000. Em 11 de
    agosto de 2000, o Estado solicitou uma prorrogação do prazo para a
    apresentação de sua resposta.  Em
    15 de agosto de 2000, a Comissão outorgou-lhe mais 30 dias e informou o
    disposto aos peticionários.     9.           
    O Estado apresentou suas observações em 19 de setembro de 2000, e
    em  27 de outubro de 2000, a Comissão as transmitiu aos peticionários,
    aos quais foi solicitado que apresentassem suas observações dentro de um
    prazo de 60 dias.   10.           
    Os peticionários apresentaram observações no dias 31 de outubro e
    10 de novembro, e duas comunicações forma recebidas em 29 de novembro de
    2000.  Estas comunicações
    foram transmitidas ao Estado em 27 de dezembro de 2000, solicitando-lhe que
    apresentasse suas observações dentro de um prazo de 60 dias. 
    Em resposta à solicitação de prorrogação formulada pelo  Estado
    em 27 de fevereiro de 2001, a Comissão estabeleceu um novo prazo, que
    expirava em 5 de abril de 2001, e notificou os peticionários. 
    Em 18 de abril de 2001 o Estado apresentou suas observações, que
    foram dadas a conhecer aos peticionários em 17 de maio de 2001.     11.           
    Em 16 de junho e 10 de julho de 2001, os peticionários apresentaram
    comunicações adicionais, as quais foram transmitidas em 10 de setembro de
    2001 ao Estado, solicitando-lhe que apresentasse suas observações dentro
    de prazo de um mês. Em 2 de outubro de 2001, foram recebidas observações
    adicionais do Estado, as que foram transmitidas aos peticionários, com carácter
    informativo, em 12 de outubro de 2001.   12.           
    Cabe assinalar que diversos peticionários solicitaram audiências
    perante a Comissão, primeiro na ocasião da da apresentação da petição
    e em três ocasiões posteriores.  Em
    cada um desses casos, os peticionários foram informados que a Comissão não
    estava em condições de aceder ao solicitado devido ao grande número de
    audiências já previstas.    III.         
    POSIÇÕES DAS PARTES  Introdução
      13.           
    As questões de fato e de direito que são objeto da petição surgem
    de atuações penais iniciadas contra um grupo de 32 acusados, incluindo as
    21 supostas vítimas, em 9 de setembro de 1980. 
    O expediente respectivo estava entitulado “Galluzzi, Carlos Alberto
    e outros s/ defraudação militar s/ art. 445 bis do Código de Justiça
    Militar –causa Nº 56”.  Os acusados integravam as Forças Armadas, especificamente a
    Força Aérea.  O caso foi
    investigado primeiro pelo Julgado de Instrução Militar Nº 12, e a partir
    de dezembro de 1980 pelo Julgado de Instrução Militar Nº 1. 
    A partir de 4 de outubro de 1982, o Conselho Supremo das Forças
    Armadas tomou conhecimento do caso, decretando a sentença em 5 de junho de
    1989.     14.           
    Tanto a acusação como a defesa apelaram desta sentença, e as atuações
    foram postas à consideração da Câmara Nacional de Apelações Criminal e
    Correcional Federal da Capital Federal em 14 de junho de 1989. 
    Em 23 de abril de 1990, esta Cãmara decretou uma ordem que acolhia
    determinadas queixas formuladas.  Em
    5 de dezembro de 1990, a Câmara declarou a prescrição de dois dos três
    delitos, e a promotoria interpôs um recurso extraordinário junto a Corte
    Suprema, que revogou a sentença de prescrição em 30 de julho de 1991. 
    Em 16 de setembro de 1993, a Câmara Nacional de Apelações 
    Criminal e Correcional Federal da Capital Federal declarou-se
    incompetente para continuar conhecendo o assunto, indicando que o órgão
    competente era a Câmara Nacional de Cassação Penal. 
    Esta última declinou também de sua competência. 
    O conflito de competência foi resolvido pela  Corte
    Suprema, que decidiu que o caso era de competencia da Câmara Nacional de
    Cassação Penal, a que proferiu a sentença em 20 de março de 1995 (parte
    resolutiva) e em 3 de abril 1995 (parte considerativa). 
    Em 3 de abril de 1995, a Câmara indeferiu o recurso extraordinário
    interposto pelos acusados.  Em
    agosto de 1995, os acusados interpuseram um “recurso de fato”, e os
    procedimentos culminaram com o desprovimento do mesmo pela Corte Suprema da
    Nação em 28 de abril de 1998.              
    15.           
    Embora existam certas diferenças na situação das supostas vítimas,
    os prejuízos surgem das atuações penais a que foram submetidos
    coletivamente.  O  presente relatório de admissibilidade refere-se,
    consequentemente, as posições das partes em relação com o grupo. 
      A.           
    Os peticionários  16.           
    Para efeito do presente relatório sobre admissibilidade, as alegações
    dos  peticionários podem ser resumidas do modo que se segue. 
    Os peticionários alegam que o Estado argentino é responsável por
    omissão de respeitar e garantir os direitos das supostas vítimas,
    previstos na Convenção Americana (artigo 1); que violou seu direito à
    integridade física e a não ser submetido a torturas (artigo 5); que os
    privou arbitrária e ilegalmente de sua liberdade, omitendo julgá-los ou
    liberá-los dentro de um prazo razoável, e que omitiu apresentá-los
    prontamente perante um juiz para determinar a legalidade da detenção
    (artigo 7); que violou seu direito a ser ouvido com a devidas garantias e
    dentro de um prazo razoável, que violou seu direito à presunção de inocência
    durante o proceso, que omitiu notificá-los de forma pronta e adequada as
    acusações formuladas contra eles; que lhes denegou meios adequados para
    sua defesa, que os privou do acesso a assistência de um assesor legal
    qualificado; que os obrigou a declarar contra seus próprios interesses em
    suas declarações iniciais, e que os privou de um recurso válido (artigo
    8); que violou seu direito ao benefício da aplicação de uma norma
    processual mais benévola sancionada depois do cometimento dos delitos
    (artigo 9); que omitiu indenizá-los por terem sido condenados por sentença
    transitado em julgado de erro judicial (artigo 10); que lhes negou a igual
    proteção da lei (artigo 24); e que os privou de seu direito à proteção
    judicial (artigo 25).              
    17.           
    Os principais prejuízos formulados pelos peticionários referem-se
    à longa duração das atuações penais. Em primeiro lugar, com respeito
    aos prejuízos referentes aos artigos 7 os peticionários assianlam que as
    supostas vítimas foram mantidas na prisão preventiva por períodos de mais
    de sete ou oito anos e meio estando pendentes as atuações, com o qual,  rebaixaram
    os límites aplicáveis conforme o direito nacional e internacional. 
       18.           
    Os peticionários assinalam que as supostas vítimas foram mantidas
    na prisão preventiva por um prazo duas vezes maior que o das penas de prisão
    posteriormente decretadas.  De
    acordo com a informação proporcionada, 14 dos  acusados
    foram  sentenciados a penas de
    prisão compreendidas entre dois anos  e
    quatro anos e meio.  Outros dois
    foram sentenciados a cinco anos de prisão, um a seis anos e um a sete anos. 
    Al[em disso os peticionários sustentam que os autos de detenção
    preventiva careciam dos necessários fundamentos de direito e de fato desde
    o início dos procedimentos.   19.           
    Os peticionários alegam que os acusados foram  mantidos
    sem comunicação quando foram detidos, o que carecia de adequado fundamento
    segundo as regras nacionais do devido processo, e em todo caso essa situação
    manteve-se por um período injustificadamente prolongado. 
    A informação apresentada leva a pensar que a maior parte dos
    peticionários foram mantidos sem comunicação por mais de sete dias; a
    saber, por períodos de até dez ou doze dias. 
    Assinalam que as autoridades competentes reconheceram determinadas
    violações de direitos cometidas a este respeito, quando o Conselho Supremo
    e a Câmara Nacional de Cassação Penal concluiram que o expediente não
    dava fundamento ao prolongamento da detenção sem comunicação de
    determinados acusados.  Não
    obstante, nem o Conselho Supremo nem a Câmara aceitaram a manifestação
    dos acusados de que isto implicava a nulidade das atuações, limitando-se a
    assinalar que havia expirado o prazo de prescrição das atuações que
    tinham permitido punir o juiz em questão.   20.           
    Em segundo lugar, com respeito ao artigo 8, os peticionários alegam
    que foi violado o seu direito a serem julgados dentro de um prazo razoável,
    assim como uma série de garantias do devido processo. 
    Em especial, argumentam  o
    prolongamento das atuações foi em detrimento do direito dos  acusados a sua presunção de inocência e influiu
    desfavoravelmente sobre suas possibilidades de defenderem-se. 
       21.           
    Os peticionários alegam que não foi respeitado o seu direito a uma
    adequada defesa legal, porque os acusados careceram de assistência legal
    nas etapas iniciais do processo.  Assinalam
    que os acusados careceram de um advogado nos primeiros dois anos e meio das
    atuações.  Os peticionários indicam que quando obtiveram assistência,
    os defensores em questão não eram advogados. 
    A este respeito, assinalam que o Código de Justiça Militar prevê o
    direito de um acusado a ser assistido para apresentar sua defesa por um
    “defensor militar”, que é membro das Forças Armadas da ativa ou da
    reserva.     22.           
    Os peticionários alegam ademais que a Convenção Americana, a
    Constituição Argentina e o Código de Procedimentos em Matéria Penal
    reconhece o direito de um acusado a não ser obrigado a declarar contra si
    mesmo, mas que o Código de Justiça Militar não respeita essa garantia. 
    Assinalam que,  conforme
    o disposto no Código de Justiça Militar, o juiz que presidiu a investigação
    exortou os acusados a dizer a verdade em suas declarações iniciais e lhes
    fez saber que isto seria favoravelmente considerado. 
    Indicam que isto implica um problema especial, já que o Código de
    Justiça Militar não reconhece o direito do acusado de que esteja presente
    seu advogado nesta etapa do procedimento, e que representa uma pressão a
    fim de obter uma confessão.  Os peticionários fazem referência também a outras ameaças,
    em grande medida não especificadas, que tinham sofrido os acusados na
    oportunidade desas declarações iniciais. 
       23.           
    Além disso os peticionários alegam que a designação de peritos
    contábeis por parte do tribunal militar foi feita em  detrimento
    da defesa dos  acusados. 
    Argumentam que os três peritos --todos eles oficiais militares a
    cargo de um departamento contável das Forças Armadas—estavam
    “intimamente vinculados” com os fatos que estavam sendo investigados e
    tinham trabalhado em estreito contacto com, pelo menos, dois dos  acusados.  Em
    consequência os peticionários alegam que os peritos não podiam emitir uma
    decisão independente.  Assinalam
    ademais que conforme o disposto pelo  Código
    de Justiça Militar os peritos foram designados sem que se notificara os
    acusados, e por esta razão eles não tiveram a possibilidade de recusá-los;
    os acusados não tiveram possibilidade alguma de nomear seus próprios
    peritos; e, os “peritos” não eram contadores públicos certificados. 
       24.           
    A petição compreende alegações de caráter bastante genérico no  sentido
    de que as provas apresentadas contra os acusados eram qualitativa e
    quantitativamente insuficientes para justificar suas condenações. 
    Ademais, os peticionários informam que o tribunal militar decretou
    sentença através de uma reunião e voto secretos de seus membros, em  violação
    aos  procedimentos estabelecidos
    pelo Código de Justiça Militar.              
                
    25.           
    Como assinalado anteriormente, a sentença impõe a alguns dos  acusados,
    inter alia, penas pecuniárias e
    outras sanções.  A este
    respeito, os peticionários defendem que estes acusados foram gravemente
    prejudicados ao terem sido impostos pagamentos elevados de taxas de juros
    pelo  período de demora de
    atribuível ao Estado.  Sustentam
    que em virtude do reajuste dos  juros
    ao longo de dois anos as penas aumentaram cerca de 100%. 
    Alegam que os prejuízos conexos no sentido de que os parâmetros de
    determinação das taxas de juros não foram claros nem justos.    26.           
    A respeito da competência dos tribunais que atuaram nos
    procedimentos, os peticionários formularam duas alegações vinculadas com
    os artigos 8 e 25 da Convenção Americana. 
    Em primeiro lugar, assinalam que o juiz militar designado para a
    orientação da investigação inicial padecia de problemas psicológicos na
    época, sendo substituído três meses depois de iniciada a investigação,
    e mais tarde retirado de suas funções pelas mesmas razões. 
    Em segundo lugar, alega que a Câmara Nacional de Cassação Penal,
    que por disposição da Corte Suprema devia assumir jurisdição na apelação,
    não era o tribunal superior pertinente. 
    Sua principal alegação a esse respeito é que a Câmara Nacional de
    Cassação Penal foi estabelecida em 1992, ou seja, depois do cometimento
    dos  delitos de que se trata,
    motivo pelo qual foi violado o direito das supostas vítimas a serem
    julgados por cortes preexistentes.  Sustentam
    ademais que a Corte Suprema rejeitou de forma inapropriada seu recurso de
    fato, sem realizar um exame substancial dos  prejuízos
    formulados.   27.           
    Os peticionários sustentam que foi violado o direito das supostas vítimas
    a igual proteção da lei, previsto no artigo 24 da Convenção Americana,
    visto que, tratando-se de membros das Forças Armadas no momento em que se
    cometeram os delitos em questão, foram processados através da jurisdição
    militar antes de ter acesso ao sistema judicial civil. 
    Os peticionários insistem em que a jurisdição militar é um
    sistema de tribunais administrativos, que não tem caráter judicial, através
    do qual o pessoal militar --por exemplo, as supostas vítimas—estavam
    obrigadas a passar por uma etapa processual que não é requerida no âmbito
    civil.  Os peticionários
    questionam a compatibilidade do sistema de justiça militar com os
    requisitos da Convenção Americana, indicando, por exemplo, que a Câmara
    Nacional de Cassação Penal negou-se a examinar questões de fato sobre as
    quais se havia pronunciado o Conselho Supremo.               
    28.           
    As alegações dos peticionários referentes ao artigo 9 da Convenção
    Americana consistem em que as supostas vítimas foram submetidas a mais
    severa das normas referentes à prescrição. 
    Argumentam que a Corte Suprema violou o direito das supostas vítimas
    a que lhes fossem aplicada a mais benéfica das duas normas, ao optar
    arbitrariamente por aplicar a prescrição prevista no Código de
    Procedimentos em Matéria Penal, o que permitiu a continuação dos  procedimentos,
    em contraposição com a prescrição de dez anos aplicável de acordo com o
     Código de Justiça Militar, que tinha dado por prescritos os
    aspectos centrais da acusação.                
    29.           
    Por último, os peticionários invocaram os direitos das supostas vítimas
    conforme o artigo 10 da Convenção Americana a receber indenização por
    terem sido condenados por sentença firme atribuível a erro judicial. 
    A este respeito, insistem no seu direito a serem indenizados pelo  tempo
    em que estiveram submetidos à detenção preventiva que supera o prazo das
    penas de prisão decretadas.   30.           
    Em função dos argumentos que antecedem, os peticionários alegam
    que as atuações contra as supostas vítimas estiveram viciadas de nulidade
    desde o início e deveriam ter sido declaradas nulas em virtude de numerosas
    violações de seus direitos básicos. 
    Alegam que a petição apresentada cumpre todos os requisitos de
    admissibilidade.  Em especial
    sustentam que foram esgotados os recursos internos devido a sentença da
    Corte Suprema que indeferiu o recurso de fato, e que em cada caso a suposta
    vítima interpôs uma petição dentro de um prazo de seis meses contado a
    partir da data de notificação dessa sentença. 
    Com respeito ao fato de que as supostas vítimas não esgotaram os
    recursos internos em relação as suas demandas de indenização, os
    peticionários sustentam que na realidade promoveram uma ação
    administrativa em procura de indenização pelo período em que foram
    mantidos em prisão preventiva por um prazo superior ao da sentença
    definitiva decretada, e que a ação foi desacolhida.           
    B.           
    O Estado   31.      
    Nas comunicações que apresentou perante a Comissão, o Estado começou
     por destacar que o exercício da jurisdição militar nas atuações
    penais contra os acusados seguiu plenamente o direito nacional e
    internacional.  O Estado
    assinala que os acusados eram integrantes das Forças Armadas no momento em
    que cometeram os delitos pelos quais foram definitivamente condenados, e que
    esses delitos estavam plenamente vinculados com o  serviço
    militar que cumpriam.  Ademais o
    Estado sustenta que seus tribunais militares foram estabelecidos pelo Poder
    Legislativo para que administrem justiça em casos desse gênero, e que não
    estão subordinados ao Poder Executivo. 
    Por conseguinte, o Estado alega que os Conselhos de Guerra, como
    aquele que prolatou a sentença de condenação, são tribunais de justiça
    cujas sentenças são apeláveis perante a jurisdição federal, respeitando-se
    assim as garantias de revisão em segunda instância de uma sentença
    condenatória.     32.           
    O Estado destaca o fato de que a jurisdição militar é um corolário
    necessário das características especiais das Forças Armadas como instituição
    e dos  valores claramente definidos que protegem os códigos
    militares.  Portanto, os
    tribunais militares são competentes e constitucionais para julgar o pessoal
    militar por delitos previstos no Código de Justiça Militar.  Baseando-se na sua posição sobre a validez da jurisdição
    militar no caso de autos, e também sobre a denominada “doutrina da quarta
    instância”, o Estado defende que a Comissão somente seria competente
    para examinar as reclamações na medida em que os peticionários aduzissem
    alguma omissão de cumprimento dos procedimentos estipulados no Código de
    Justiça Militar, ou nas atuações que tivessem 
    violado a Convenção Americana.   33.           
    Com relação as supostas violações ao direito a liberdade previsto
    no  artigo 7 da Convenção Americana, o Estado destaca que as
    supostas vítimas recuperaram a liberdade há dez anos, motivo pelo qual não
    subsistem os motivos que originaram este aspecto da petição e a denúncia
    deve ser rejeitada.  O Estado
    assinala que as denúncias apresentadas perante a Comissão, no sentido de
    que as ordens que autorizam a detenção preventiva das supostas vítimas
    careciam do devido fundamento, foram apresentadas perante o Conselho Supremo
    e a Câmara Nacional de Cassação Penal, e foram consideradas infundadas. 
    Com respeito a  afirmação
    dos  peticionários de que as
    supostas vítimas devem ser indenizadas pelo  período
    em que foram objeto de detenção, em especial pelo tempo que supera a
    sentença de prisão, o Estado argumenta que os peticionários não
    interpuseram nem esgotaram os recursos internos tendentes a obter essa
    indenização, motivo pelo qual essas reclamações são inadmissíveis
    conforme o disposto pelo  artigo
    46(1) da Convenção Americana.   34.           
    Quanto às denúncias dos peticionários por sua detenção sem
    comunicação, o Estado afirma que a decisão de ampliar esta modalidade de
    detenção a algumas das supostas vítimas estava devidamente fundamentada
    conforme o disposto no  Código de Justiça Militar. 
    Ainda que não se tenha explicitado o fundamento para algumas das
    outras supostas vítimas, o Estado assinala que o Conselho Supremo das Forças
    Armadas considerou que se trata de uma infração disciplinária da parte do
    juiz designado, mas concluiu que não implica a nulidade das atuações,
    conclusão que foi confirmada na apelação pela Câmara Nacional de Cassação
    Penal.  Da mesma forma, quanto as alegações dos  peticionários
    referentes as ameaças ou  maus
    tratos que tinham sofrido as supostas vítimas na oportunidade de suas
    declarações iniciais, o Estado assinala que essas acusações foram postas
    à consideração das autoridades competentes, que as declararam infundadas.   35.           
    Em resposta as denúncias de que as supostas vítimas não foram
    julgadas dentro de um prazo razoável, o que implicaria uma violação das
    garantias do artigo 8, o Estado argumenta que no cálculo de razoabilidade
    deve ter-se em conta o número de pessoas envolvidas, o tipo de provas
    obtidas e a duração dos  fatos
    investigados.  O Estado indica
    que, no caso dos autos,  as atuações
    referiam-se a 32 acusados, a um expediente principal de mais de 14.000 páginas,
    com atuações administrativas e penais paralelas, defraudações cometidas
    ao longo  de um triênio em
    quatorze diferentes unidades da Força Aérea, grandes somas de dinheiro e
    uma investigação contável complicada e sumamente técnica. 
    O Estado sustenta que o principal acusado, o senhor Vicecomodoro
    Galluzzi, fugiu do país e apresentou-se às autoridades somente em 1º de
    abril de 1982, o que atrasou a investigação. 
    Ademais insiste que a demora na etapa judicial pode ser atribuída em
    grande medida às ações promovidas pelos acusados, que tiveram como efeito
    a interrupção das atuações. Também sustenta que como as supostas vítimas
    trataram de obter o benefício da prescrição dos delitos, a demora do
    julgamento não pode ser imputada ao Estado.   36.           
    Em resposta as manifestações dos peticionários de que os acusados
    não possuiam assistência legal no julgamento, em infração ao artigo 8, o
    Estado informa que nas atuações militares não é um requisito que os juízes
    e defensores sejam advogados. Ademais, assinala que as Forças Armadas tem
    um Corpo de Auditores formado por pessoal militar graduado em Direito antes
    de ingressar nas Forças Armadas; e nas atuações militares os acusados estão
    facultados para designar como defensores a membros desse grupo, e em muitos
    casos o fizeram.  O Estado
    assinala também que quando esses acusados escolhem  um
    oficial de comando para que se ocupe de sua defesa é uma prática comum que
    esses oficiais sejam assessorados por um membro do Corpo de Auditores em
    relação a todos os procedimentos.  Adicionalmente
    o Estado indica que quando as atuações passaram a etapa de apelação os
    acusados foram patrocinados por seus próprios advogados ou por defensores públicos
    qualificados.     37.           
    Em relação à afirmação de que os acusados se viram obrigados a
    declarar contra seus próprios interesses, em violação ao  artigo
    8, o Estado argumenta, em primeiro lugar, que as declarações iniciais dos  acusados
    lhes foram tomadas antes da entrada em vigor da Convenção Americana para
    Argentina, e que tendo em vista que a Declaração Americana não contém um
    dispositivo similar, esta afirmação é insustentável. O Estado alega que
    as declarações foram devidamente tomadas conforme os requisitos do Código
    de Justiça Militar.  Segundo o
    disposto pelo  Código então
    vigente, ao tomar essas declarações não se requeria um juramento ou uma
    promessa de dizer a verdade, mas que estava permitido exortar o  declarante
    a ser veraz.  Ademais o Estado
    agrega que os acusados não foram condenados exclusivamente em virtude de
    suas declarações, mas também por outras provas.   38.           
    Em relação as denúncias referentes ao artigo 8 no sentido de que
    as supostas vítimas não estavam em condições de apelar de suas sentenças
    perante um tribunal superior, o Estado defende que a Câmara Nacional de
    Cassação Penal deu trâmite ao recurso dos  acusados
    e se pronunciou sobre o mesmo como corte de segunda instância. 
    Nesse sentido o Estado cita o artigo 7 da Lei 24.050, que estabeleceu
    a competência da Câmara Nacional de Cassação Penal e dispõe que uma de
    suas câmaras examine os recursos previstos no artigo 445 bis do Código de
    Justiça Militar.     39.           
    Em relação as supostas infrações referentes a igual proteção da
    lei conforme o artigo 24 da Convenção Americana, o Estado afirma que não
    são todas as diferenças de tratamento que violam este princípio, mas
    somente aquelas que carecem de uma justificação objetiva e razoável. 
    No  caso dos autos, as supostas vítimas eram membros das Forças
    Armadas, cometeram os delitos pelos quais foram processados em instalações
    militares, e em detrimento dos  interesses
    das Forças Armadas.  A aplicação
    do Código de Justiça Militar não determina, consequentemente, nenhuma
    violação do princípio de igual proteção da lei.   40.           
    Com respeito as supostas violações do direito a proteção
    judicial, estipulado no  artigo
    25 da Convenção Americana, o Estado argumenta que as atuações foram
    realizadas em observância das normas do devido processo previstas no  sistema
    de justiça militar.  O Estado
    reitera que este sistema não pode ser comparado aquele do sistema de justiça
    civil, como  pretendem os peticionários, porque os procedimentos e
    interesses de que se trata são necessariamente diferentes.  O Estado rejeita toda acusação no sentido de que os
    recursos interpostos perante a Câmara Nacional de Cassação Penal ou a
    Corte Suprema não foram tramitados adequadamente, assinalando que a Câmara
    conheceu de determinadas pretensões dos  acusados.      41.           
    Com respeito a denúncia dos peticionários de que o Conselho Supremo
    se recusou a dispor da atuação ou aceitar certas provas pertinentes,
    desconhecendo assim  mecanismos
    essenciais de proteção judicial, o Estado indica que o Conselho Supremo
    tinha faculdades discricionárias para estabelecer de forma inapelável
    quais as provas pertinentes.  O
    Estado sustenta ademais que essa discricionariedade não é exclusiva dos  tribunais
    militares, mas que é uma questão de direito processual penal nacional, e
    que as denúncias dos  peticionários
    a este respeito foram consideradas e indeferidas pelo  Conselho Supremo e pela  Câmara
    Nacional de Cassação Penal.  Finalmente,
    o Estado assinala que as supostas vítimas não dizem ser inocentes nem
    aduzem falta de independência ou imparcialidade de nenhum dos  magistrados
    e em nenhum dos  procedimentos.                
    42.           
    Em face da posição antes referida, o Estado alega que a petição
    12.167 é inadmissível por três razões principais. 
    Primeiramente porque as denúncias principais postas a consideração
    da Comissão foram formuladas perante as autoridades judiciais nacionais
    competentes e decididas pelas mesmas.  Consequentemente,
    segundo o Estado, as supostas vítimas tentaram conseguir que a Comissão
    revisasse as sentenças proferidas pelas cortes nacionais que atuaram dentro
    de suas esferas de competência e conforme as normas do devido processo,
    motivo pelo qual se está diante de uma pretensão extranha à competência
    prevista na Convenção Americana.  Em
    segundo lugar, quanto ao requisito de esgotamento dos recursos internos para
    que a Comissão possa admitir uma petição, o Estado assinala que a petição
    somente cumpre esse requisito na medida em que as supostas vítimas tenham  impugnado
    suas sentenças condenatórias, bem como a constitucionalidade das normas do
    Código de Justiça Militar.  O
    Estado sustenta que toda reclamação de indenização 
    referente ao artigo 10 da Convenção Americana é inadmissível por
    omissão de invocar e esgotar recursos internos segundo o estipulado no  artigo 46 da Convenção. 
    As supostas vítimas não invocaram nem esgotaram os recursos disponíveis
    em relação ao alegado prolongamento de sua detenção preventiva, nem
    trataram de obter indenização pelo  prazo
    em que a detenção superou as penas de prisão, o que torna inadmissíveis
    estas pretensões.  Por último,
    o Estado defende que, em todo caso, os peticionários não aduziram fatos
    que possam ser caracterizados como violatórios da Convenção Americana.   IV.    
    ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE   A.      
    Competência da Comissão ratione
    pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci   43.           
    Conforme o disposto no artigo 44 da Convenção Americana, os
    peticionários estão legitimados para apresentar uma petição perante a
    Comissão.  A petição objeto
    de estudo indica que as vítimas mencionadas estavam sujeitas à jurisdição
    do Estado argentino na data dos fatos aduzidos. A Argentina é um Estado
    membro da Organização dos  Estados
    Americanos desde 1948, quando ratificou a Carta da OEA, e está sujeita à
    jurisdição da Comissão com respeito às denúncias individuais, já que
    essa competência foi estabelecida por estatuto em 1965 em relação aos
    termos da Declaração Americana dos  Direitos
    e Deveres do Homem. A Argentina está sujeita à jurisdição da Comissão
    sob os termos da Convenção Americana desde que depositou seu instrumento
    de ratificação, em 5 de setembro de 1984. 
    Portanto, a Comissão é competente ratione
    pessoae para examinar as denúncias apresentadas.   44.           
    Com respeito à questão da competência ratione
    temporis, a Comissão assinala que as denúncias formuladas guardam relação,
    na primeira etapa, com a Declaração Americana, e a partir da ratificação
    por parte de Argentina da Convenção Americana, a esta última. 
    Nenhuma das partes questionou a competência da Comissão a este
    respeito.[1] 
    Quanto as denúncias referentes a primeira etapa, cabe reiterar que
    no caso de um Estado que ainda não ratificou a Convenção Americana, os
    direitos fundamentais que se compromete a respeitar como parte do tratado da
    Carta da OEA são aqueles estipulados na Declaração Americana, que
    constitui uma fonte de obrigações internacionais.[2] 
    O Estatuto e o Regulamento da Comissão estabelecem normas adicionais
    referentes ao exercício de sua jurisdição a este respeito. 
    Essa jurisdição estava em vigor na data dos primeiros fatos
    aduzidos pelos peticionários, e a Declaração, assim como a Convenção,
    protegem os direitos a liberdade e o devido processo (artigos I, XXV
    e XXVI) invocados no  caso dos
    autos.  Uma vez que se fez
    efetiva a ratificação por parte da Argentina, a Convenção Americana
    converteu-se na primeira fonte de obrigações legais,[3]
    e resultam aplicáveis os direitos e obrigações expressamente mencionados
    pelos peticionários.  Por
    conseguinte, a Comissão possui competência ratione
    temporis para examinar as denúncias apresentadas pelos peticionários.[4]
                  
    45.           
    Finalmente, a Comissão possui competência ratione
    materiae para examinar a substância das denúncias formuladas porque,
    se provadas verdadeiras, constituiriam violações de direitos protegidos
    pela  Convenção Americana e a
    Declaração Americana.    46.           
    Dado que na  petição se
    aduzem violações de direitos protegidos no marco da Convenção Americana
    e da Declaração Americana que teriam tido lugar no  território
    de um Estado parte, a Comissão conclui que possui competência ratione loci para examinar a  mesma.   B.        
    Outros requisitos de admissibilidade da petição  a.        
    Esgotamento dos recursos
    internos   47.           
    O artigo 46 da Convenção Americana estabelece que a admissibilidade
    de um caso está condicionada a "que se tenha interposto e esgotado os
    recursos da jurisdição interna, conforme os princípios de Direito
    Internacional geralmente reconhecidos". 
    Este requisito foi estabelecido para garantir ao Estado a
    oportunidade de resolver as disputas dentro de seu próprio marco jurídico.
              
                  
    48.           
    As partes coincidem em que o processamento das supostas vítimas
    terminou com o inderimento do  recurso de fato por parte da Corte Suprema, em 28 de abril de
    1998.  Neste sentido as partes
    estão de acordo em que foram invocados e esgotados os recursos internos em
    relação as denúncias formuladas a respeito do processamento e
    constitucionalidade da aplicação do Código de Justiça Militar. 
       49.           
    O Estado formulou dois argumentos básicos com respeito aos
    requisitos do artigo 46 em diferentes pontos das atuações perante a Comissão. 
    Em sua resposta inicial, o Estado assinalou, em termos gerais e sem
    maiores explicações, que os peticionários omitiram o esgotamento dos  recursos internos com respeito a sua prolongada detenção
    preventiva.  Não obstante,
    examinados os procedimentos internos comprova-se que foram invocadas perante
    a Câmara Nacional de Cassação Penal denúncias referentes à duração
    dos  procedimentos, incluindo o
    período de detenção preventiva, e que a Câmara as examinou. 
    Este orgão assinalou que a impugnação relativa a duração dos  procedimentos
    baseiava-se no  direito dos  acusados a uma sentença dentro de um prazo razoável que
    defina suas posições legais respectivas e pusera fim a restrição de sua
    liberdade.  Os peticionários
    promoveram uma revisão posterior do assunto perante a Corte Suprema, que se
    negou a conhecer suas reclamações.  Os
    acusados questionaram também a solidez dos fundamentos jurídicos das
    ordens de detenção preventiva e a legalidade da detenção sem comunicação. 
    A Comissão considera que isto é suficiente para demostrar que o
    Estado estava inteirado das reclamações agora pendentes perante a Comissão
    e que foram invocados e esgotados os recursos pertinentes. 
       50.           
    O argumento alternativo aduzido pelo  Estado
    consiste em que os peticionários nunca trataram de obter indenização
    perante os tribunais internos por terem sido sentenciados por erro judicial,
    nem pelo  período em que
    estiveram em detenção preventiva por um período  superior
    ao de suas penas de prisão.  Os
    peticionários, por sua parte, sustentam que promoveram uma ação
    administrativa a fim de colher uma indenização por este último conceito. 
    Para efeito da presente análise, a Comissão considera que os
    peticionários invocaram e esgotaram os recursos internos a fim de conseguir
    uma decisão judicial quanto a invalidez das sentenças decretadas contra
    eles e quanto a duração de suas detenções preventivas. 
    Dado que interpuseram uma série de recursos, inclusive perante a
    Corte Suprema, e não conseguiram uma decisão favorável, não é evidente,
    nem o Estado explicou, quais os  recursos
    internos disponíveis e efetivos que ficaram por esgotar que pusessem ter
    servido de base jurídica necessária para uma eventual sentença de
    indenização.[5] 
    Por conseguinte, a Comissão entende que foram cumpridos os
    requisitos do artigo 46.     b.            
    Prazo de apresentação da petição   51.           
    Conforme o previsto no artigo 46(1)(b) da Convenção, toda petição,
    para que possa ser admitida, deve ser apresentada no prazo de 
    seis meses seguintes à data em que a parte denunciante tenha sido
    notificada da sentença definitiva adotada no âmbito 
    interno.  A regra dos
    seis meses garante certeza legal e estabilidade uma vez 
    adotada a decisão.   52.           
    Como assinalado anteriormente, as comunicações que deram início a
    petição 12.167 foram recebidas entre 5 de junho e 28 de outubro de 1998. A
    decisão de indeferimento do recurso de fato, que foi a sentença final no
    âmbito interno, foi proferida pela  Corte
    Suprema em 28 de abril de 1998.  Logo,
    a Comissão considera que a petição foi apresentada no tempo certo.   c.             
    Duplicação de procedimentos e res
    judicata   53.           
    O artigo 46(1)(c) estabelece que a admissão de uma petição está
    sujeita ao requisito de que o assunto "não esteja não esteja pendente
    de outro processo de solução internacional” e o artigo 47(d) da 
    Convenção estipula que a Comissão não poderá admitir uma petição
    que “for substancialmente reprodução de petição ou comunicação
    anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo
    internacional".  No caso
    dos autos as partes não alegaram nem se depreende do expediente a existência
    de nenhuma dessas duas circunstâncias de inadmissibilidade 
       d.            
    Caracterização dos fatos alegados   54.           
    O artigo 47(b) da Convenção
    Americana declara inadmissível toda petição em 
    que não expuser fatos que caracterizem violação dos
    direitos garantidos pela mesma. 
    No  presente caso,
    o Estado alegou em geral que a petição deve ser declarada inadmissível
    porque não estabelece uma reclamação que esteja dentro da jurisdição da
    Comissão.  Para efeitos de
    admissibilidade, a Comissão deve decidir se os fatos podem caracterizar uma
    violação de direitos, segundo o estipulado no artigo 47(b) da Convenção
    Americana, ou se a petição é “manifestadamente infundada”, ou “seja
    evidente sua total improcedência”, conforme o disposto no  parágrafo (c) desse artigo. 
    O critério aplicável a avaliação do cumprimento destes requisitos
    difere daquele que se aplica a determinação do mérito de uma petição; a
    CIDH deve realizar uma avaliação prima
    facie para estabelecer se a petição invoca fundamentos de uma aparente
    ou potencial violação de um direito garantido pela Convenção, mas não
    para determinar a existência de uma violação de direitos.[6] 
    Esta determinação implica numa análise sucinta que não supõe
    prejulgar sobre o mérito do assunto.  Ao
    estabelecer duas etapas --uma referente a admissibilidade, e outra referente
    ao mérito do assunto-- o Regulamento da Comissão reflete esta distinção.[7]
       55.           
    A este respeito, a Comissão conclui, para efeitos da admissibilidade,
    que os peticionários formularam denúncias que, se compatíveis com outros
    requisitos, e se provadas verdadeiras, poderiam configurar a violação de
    direitos protegidos no marco da Convenção Americana em relação aos
    artigos 1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25.     56.           
    O Estado alega que os peticionários não formularam uma denúncia
    que esteja dentro da jurisdição da Comissão, conforme a Declaração
    Americana, em relação as suas alegações de que os acusados foram
    submetidos a pressões para que declarassem contra seus próprios interesses. 
    O Estado assinala que ainda que o artigo 8 da Convenção Americana
    estipule garantias expressas contra a autoincriminação, a Declaração
    Americana --que era o instrumento aplicável no momento em que se emitiram
    essas declarações-- não contém uma disposição expressa para este
    efeito.  A questão da
    possibilidade ou da medida em que a proteção mais geral do devido processo
    e a presunção de inocência prevista na Declaração Americana possam
    incluir garantias contra a autoincriminação é uma questão que a Comissão
    examinará durante a fase de seus procedimentos referente ao mérito do
    assunto.               
    57.           
    O Estado alega que como os peticionários foram liberados de sua
    detenção há mais de dez anos, suas denúncias referentes ao direito a
    liberdade já não existem ou subsistem, e devem ser rejeitadas. 
    A este respeito a Comissão reitera que o fato de que uma pessoa seja
    posteriormente liberada, ou inclusive condenada, não sana a possível
    transgressão do preceito da Convenção Americana referente a duração
    razoável da detenção antes do julgamento.[8]              
    58.           
    Os peticionários alegam que o processamento das supostas vítimas
    violou o que descrevem como direito a aplicação da lei mais benéfica,
    conforme o mecanismo de proteção estipulado pelo  artigo
    9 da Convenção Americana.  Em
    suma sustentam que a judicatura eligiu entre o prazo de prescrição
    previsto no Código de Procedimentos em Matéria Penal e aquele do Código
    de Justiça Militar e aplicou arbitrariamente o primeiro para efetivar a
    continuidade dos  procedimentos, sendo que o segundo código teria sido mais benévolo. 
    A este respeito, o direito estipulado no artigo 9 consiste no benefício
    da imposição de uma pena mais leve se esta for estabelecida por uma lei
    sancionada posteriormente ao cometimento do delito. 
    Ainda que se possa supor que as alegações dos peticionários
    corresponda à verdade, estas não servem de base para caracterizar uma possível
    violação do artigo 9, e suas denúncias a este respeito são,
    consequentemente, inadmissíveis.  O
    Código de Justiça Militar,  que
    segundo indicam, deveria ter sido aplicado, foi sancionado antes do
    cometimento dos  delitos em
    questão.  Na  medida que as
    denúncias formuladas a este respeito possam guardar relação com as
    garantias do devido processo, serão examinadas na  etapa
    de mérito do assunto.              
    59.           
    Finalmente, a Comissão examinará as denúncias dos peticionários
    referentes ao artigo 10 da Convenção Americana quando examine 
    as outras reclamações, referentes ao mérito do assunto. 
    O artigo 10 reconhece o direito a receber indenização no caso de
    condenação por sentença transitada em julgado por erro judicial. 
    A determinação sobre se este erro pode ter existido, o que no  caso
    dos autos deve se realizada  na  fase dos  procedimentos
    referentes ao  mérito do
    assunto, é uma condição prévia da possível aplicação do artigo 10.     60.           
    A Comissão conclui que os peticionários formularam reclamações
    referentes as supostas violações de direito a liberdade, a integridade
    pessoal, a igual proteção da lei e a proteção e as garantias judiciais
    que, se compatíveis com outros requisitos e provada verdadeiras, poderiam
    configurar a violação de direitos protegidos nos  artigos
    1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25 da Convenção Americana. 
    Na  medida em que seja
    necessário, a Comissão examinará também, ao analisar o mérito do
    assunto, os artigos XI, XV e XXVI da Declaração Americana.   V.            
    CONCLUSÕES  61.           
    A Comissão conclui que é competente para conhecer o caso dos autos
    e que a petição é admissível conforme os artigos 46 e 47 da 
    Convenção Americana.     62.           
    Com base nos argumentos de fato e de direito acima expostos, e sem
    prejulgar o mérito do assunto,  A
    COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,  DECIDE:   1.           
    Declarar admissível a presente petição no que se refere a supostas
    violações dos  direitos reconhecidos nos artigos 1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25 da
    Convenção Americana, e no que for pertinente, nos artigos I, XXV e XXVI da
    Declaração Americana. As denúncias referentes ao artigo 9 da Convenção
    Americana são inadmissíveis.   2.           
    Notificar as partes desta decisão.   3.           
    Prosseguir com a análise do mérito do assunto.   4.           
    Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual
    à Assembléia  Geral da OEA.              
    Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos
    Humanos, na cidade de Washington, D.C. aos 9 dias do mês de outubro de
    2002. (Assinado): Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidenta; José
    Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Membros da Comissão: Robert K. Goldman,
    Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán. 
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 *
        O
        Presidente da  Comissão,
        Dr. Juan E. Méndez, de nacionalidade argentina, não participou da
        discussão e decisão do presente relatório, em acatamento ao disposto
        no artigo 19(2) do Regulamento da  Comissão.  
         [1]
        Embora o  Estado alegue que
        as denúncias dos peticionários referentes à proibição de pressões
        tendentes a conseguir  uma
        autoincriminação carecem de fundamento, porque a Convenção Americana
        não era aplicável na data das declarações iniciais dos 
        acusados, e que a Declaração Americana não prevê uma proteção
        expressa a este respeito, o que o Estado sustenta é que os peticionários
        não aduziram fatos tendentes a tipificar uma violação. 
        O Estado não argumentou que a Comissão carece de competência ratione temporis com respeito a petição. [2]
        Corte IDH, Opinião Consultiva OC-10/89, 14 de julho de 1989, "Interpretação
        da Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem no 
        Marco do artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos
        Humanos", Serie. A
        Nº 10, parágrafos  43 -
        46.  [3]
        Ídem,
        parágrafo 46. [4]
        Ver, em geral, CIDH, Relatório Nº 67/01, Caso 11.859 Carvallo Quintana
        (Argentina), 14 de junho de 2001, parágrafos 48-49; Relatório Nº
        3/02, Caso 11.498, Grande (Argentina), 22 de fevereiro de 2002, parágrafos
        32, 34. [5]
        A este respeito cabe ressaltar que, conforme a regra do ônus da prova
        estabelecida no artigo 31 do Regulamento da Comissão e a jurisprudência
        pertinente, que a parte que aduz o não esgotamento dos 
        recursos internos deve formular alegações específicas, e não
        genéricas, referentes as recursos disponíceis, e informar sobre sua
        eficácia.  As alegações
        do Estado com respeito a eficácia de uma ação que 
        visa uma indenização foram genéricas. 
        Ver
        CIDH, Relatório Nº 72/01, Caso 11.804, Juan Ángel Greco (Argentina),
        10 de outubro de 2001, parágrafo 49; Relatório Nº 52/97, Caso 11.218,
        Arges Sequeira Mangas (Nicarágua), Relatório Anual da CIDH 1997, parágrafo 95. [6]
        CIDH, Relatório Nº 128/01, Herrera e Vargas [“La Nação”] (Costa
        Rica), Caso 12.367, 3 de dezembro de 2001, parágrafo 50. [7]
        Ídem. [8]
        CIDH, Relatório Nº 12/96, Giménez (Argentina), Caso 11.245, 1º de
        março de 1996, parágrafo 55. |