| 
       
       | 
| RELATÓRIO Nº 4/02* ADMISSIBILIDADE CASO 11.685 RICARDO NEIRA GONZÁLEZ ARGENTINA 27 de fevereiro de 2002   I.         
    RESUMO  1.         
    O presente relatório refere-se à admissibilidade da petição
    11.685.  O expediente foi aberto
    pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a
    Comissão Interamericana", "a Comissão" ou "a CIDH”)
    em virtude da  apresentação de
    uma petição por parte de Ricardo Neira González, datada de17 de abril de
    1995 e recebida em 10 de maio de 1995, contra a República Argentina (doravante
    denominada “Argentina” ou “o Estado”). 
    Após uma comunicação recebida em 6 de maio de 1996, a mãe do Sr.
    Neira, Elisa González Brea, foi incorporada ao expediente como copeticionária. 
    A Comissão recebeu em 28 de fevereiro de 2000 uma comunicação
    informando que o Sr. Neira havia-se suicidado, e desde então, a CIDH vem
    mantendo comunicação com sua mãe (doravante a mãe e o filho recebem,
    coletivamente, o nome de “peticionário”).   2.         
    Segundo a petição, o Sr. Neira foi processado por roubo agravado e
    absolvido  em primeira instância,
    visto que a informação que conduziou à sua detenção foi obtida mediante
    torturas contra várias pessoas; inclusive o póprio Sr. Neira, que foi
    torturado enquanto esteve detido, a fim de que lhe obtivessem uma confessão
    sob coerção.  O peticionário alega que em virtude da  tortura, a qual está presente em relatórios forenses, o juiz
    que presidiu as atuações rejeitou as provas oferecidas pela acusação, em
    observância a  doutrina do
    "fruto da árvore envenenada". 
    A decisão de absolver o acusado foi apelada pelo  Ministério
    Público e pelos outros autores e revogada em segunda instância, através
    de procedimentos que o peticionário considera arbitrários. 
    O Sr. Neira interpôs um recurso extraordinário contra a sentença
    condenatória decretada em segunda instância, mas seu recurso foi
    indeferido.  Segundo a petição,
    como consequência dos fatos expostos foram violados os direitos do Sr.
    Neira a proteção judicial e ao devido processo, bem como a sua integridade
    pessoal, reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
    denominada "a Convenção Americana"). 
                
    3.         
    O Estado, a sua vez, alega que a petição é inadmissível por não
    ter invocado fatos que configuram a violação de nenhum direito protegido
    pela Convenção Americana.  Assinala
    que o Sr. Neira gozou de todas as garantias do devido processo quando foi
    julgado, e que em sua defesa não fez menção alguma sobre a suposta
    tortura.  O Estado sustenta que
    a petição do Sr. Neira não demostra nenhuma violação de seu direito a
    uma defesa judicial adequada, e que efetivamente tenha sido objeto de
    tortura.  Indica que foram
    esgotados plenamente os recursos internos em relação à condenação do
    Sr. Neira, e chama a atenção sobre o fato de que, não obstante, esta
    pessoa nunca tenha formulado denúncia alguma por supostas torturas perante
    a Procuradoria Penitenciária.   4.         
    Conforme demonstrado mais adiante, após analisar o caso a Comissão
    concluie que é competente para examinar as reclamações do peticionário
    sobre supostas violações de direitos estabelecidsos nos artigos 5, 8, 25 e
    1(1) da  Convenção Americana,
    e que a petição é admissível segundo o previsto nos artigos 46 e 47
    desta Convenção.   II.        
    TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO  5.         
    A Comissão acusou recibo da petição e dos documentos apresentados
    como anexos em 18 de maio de 1995.  Em
    nota de 28 de março de 1996, a Comissão iniciou o  trâmite
    do assunto transmitindo ao Estado as partes pertinentes da  denúncia e solicitando-lhe que respondesse dentro de um prazo
    de 90 dias.  Mediante nota de 25
    de junho de 1996 o Estado solicitou uma prorrogação do prazo para
    responder e, em 27 de junho de 1996, a Comissão 
    concedeu ao Estado 30 dias e informou ao peticionário. 
    Em 23 de julho de 1996 o Estado solicitou uma prorrogação
    adicional, a qual foi concedida pela Comissão em 26 de julho de 1996, por
    outros 30 dias, tendo esta informado o peticionário. 
    Em 20 de agosto de 1996 foi solicitada nova prorrogação.  Em  23 de agosto
    de 1996 a Comissão concedeu uma prorrogação de 30 dias e informou ao
    peticionário.     6.         
    Em 24 de setembro de 1996, a Comissão recebeu uma breve comunicação
    do peticionário.  Em 25 de
    setembro de 1996, o Estado solicitou uma prorrogação adicional do prazo
    para apresentar sua resposta.  Na
    nota de 30 de setembro de 1996 a Comissão transmitiu ao Estado as partes
    pertinentes da  nova comunicação do peticionário, e lhe solicitou que
    apresentasse sua resposta e toda a informação dentro de um prazo de 30
    dias.     7.         
    O Estado apresentou sua resposta mediante uma comunicação datada de
    8 de novembro de 1996, cujas partes pertinentes foram transmitidas aos
    peticionários em 13 de novembro de 1996. 
    Os peticionários apresentaram suas observações em 25 de novembro
    de 1996.  Em 19 de dezembro  de
    1996 foram remetidas ao Estado as partes pertinentes dessas observações,
    solicitando-lhe que apresentasse sua resposta dentro de um prazo de 30 dias.   8.         
    Em 15 de janeiro de 1997, o Estado solicitou uma prorrogação do
    prazo para responder.  Em 17 de
    janeiro de 1997, a Comissão outorgou-lhe mais 30 dias. 
    Em 17 de fevereiro de 1997, o Estado solicitou uma prorrogação
    adicional.  Em 21 de fevereiro
    de 1997, a Comissão lhe concedeu outros 30 dias. 
    O Estado apresentou suas observações em 19 de março de 1997. 
    Essa comunicação foi transmitida aos peticionários em 15 de abril
    de 1997, solicitando-lhes a presentação de eventuais observações dentro
    de um prazo de 30 dias.   9.         
    Em 28 de janeiro de 2000, a Comissão dirigiu-se ao peticionário
    para peguntar-lhe se desejava apresentar informação adicional. 
    Em 16 de fevereiro de 2000, a mãe do Sr. Neira respondeu
    apresentando a notificação de que seu filho havia sido libertado em 6 de
    outubro de 1998, e tinha completado os requisitos necessários para receber
    seu título de advogado.  Em 8
    de janeiro de 1999 o Sr. Neira suicidou-se. 
    Esta informação foi remitida ao Estado em 27 de novembro de 2000,
    solicitando apresentar observações adicionais dentro de um prazo de 30
    dias.  O Estado proporcionou
    informação adicional através de uma comunicação datada de 2 de janeiro
    de 2001, que foi transmitida ao peticionário com carácter informativo em
    23 de janeiro de 2001.  Em 18 de
    outubro de 2001, o Estado apresentou uma breve comunicação, na qual
    reiterou sua posição sobre a inadmissibilidade da  petição.  Este
    documento foi transmitido ao peticionário, com caráter informativo, em 29
    de outubro de 2001.   III.     
    POSIÇÃO DAS PARTES A.         
    Os peticionários  10.         
    Para efeitos do presente relatório, em que se examina a
    admissibilidade da  denúncia,
    cabe resumir o aduzido pelo peticionário. 
    O Sr. Neira, cidadão peruano e pai de três filhos argentinos, foi
    objeto de três processos penais.  Ainda
    que os outros dois como pontos de referência, a petição objeto de estudo
    refere-se exclusivamente o processamento por roubo agravado. 
       11.         
    A petição indica que o Sr. Neira foi submetido ao processo 2915 em
    relação com um roubo a mão armada que teve lugar em 23 de abril de 1990. 
    Aproximadamente dois anos e meio depois foi absolvido em primeira
    instância porque o juiz que conduziu as atuações desacolheu a prova
    produzida contra ele e um outro acusado.  O peticionário sustenta que a exclusão dessa prova deve-se
    precisamente ao fato dela ter sido obtida mediante tortura. 
    Segundo a petição, Daniel Perrone, o primeiro dos detidos em
    suposta conexão com esse assalto, foi torturado para que revelara os
    detalles do assalto, incriminara e implicara ao Sr. Neira e a outros.  O peticionário sustenta que juntamente com o Sr. Perrone,
    ele e outras duas pessoas foram torturadas enquanto estiveram detidas, a fim
    de confessar, e que essas torturas constam dos respectivos relatórios médicos. 
                
    12.         
    Segundo a petição, tanto o Promotor como os co-autores interpuseram
    recursos de apelação contra a sentença absolutória perante a Sala VII da
    Câmara de Apelações  Criminal
    e Correcional da  Capital
    Federal.  Em virtude dessa apelação,
    foi revogada a sentença de absolvição e o Sr. Neira foi sentenciado em
    segunda instância a sete anos de prisão. 
    O peticionário sustenta, inter
    alia, que a sentença de segunda instância não considera o disposto no
    artigo 316 do antigo Código de Procedimentos em Matéria Penal, aplicável  durante seu julgamento, segundo o qual para que a declaração
    possa ser aceita dentro do processo, deve ter sido recebida por um juiz. 
    Ademais sustenta que o tribunal de segunda instância omitiu
    arbitrariamente em considerar as objeções do tribunal de primeira instância
    com respeito à credibilidade dos oficiais de polícia que realizaram a
    investigação.  Alega que o
    juiz de primeira instância questionou a versão da polícia segundo a qual
    o primeiro dos  acusados, Sr.
    Perrone, foi detido para que se revisara os documentos de seu carro, estando
    seus documentos em ordem, na presença de sua família, quando disse
    espontaneamente o tema do roubo aos oficiais que examinavam seus documentos.
     O peticionário insiste que o  tribunal de segunda instância desconsiderou arbitrariamente
    as provas de tortura registradas nos relatórios médicos.   13.         
    O peticionário argumenta que o Sr. Neira foi notificado desta decisão
    de segunda instância enquanto estava detido preventivamente, mas que
    inicialmente não lhe  proporcionaram
    os fundamentos que a respaldavam.  Conforme
    a petição, solicitou à Sala VII que lhe fossem expostos os fundamentos da
    decisão, o que lhe foi negado, e o obrigaram a enviar a um familiar ao
    tribunal para obter uma cópia da  sentença
    a tempo de interpor o recurso extraordinário dentro do prazo de dez dias
    previsto pela  lei. 
    Segundo a petição, o recurso extraordinário foi indeferido, assim
    como o posterior recurso de queixa, em 17 de novembro de 1994. 
    Sustenta que não foi possível fazer valer suas acusações de
    tortura por falta de adequado assessoramento jurídico. 
    Alega que sua principal preocupação no julgamento e na apelação
    consistiu simplesmente em defender-se frente às imputações penais
    planteadas contra ele, com a limitada assistência de um defensor público.          
              
    14.         
    Juntamente com a petição, o Sr. Neira apresentou cópias da (1)
    sentença de absolvição de primeira instância; (2) a sentença de segunda
    instância; (3) um relatório médico referente a seu estado em 2 de maio de
    1990; (4) sua solicitação de suspensão do prazo previsto pela lei para
    interpor um recurso extraordinário enquanto lhe explicavam os fundamentos
    da  decisão em segunda instãncia;
    (5) o recurso extraordinário que interpôs em sua própria defesa; (6) a
    comunicação apresentado pelo  defensor
    público em relação ao recurso extraordinário; (7) o recurso de queixa
    que apresentou em sua própria defesa e (8) o indeferimento desse recurso de
    queixa por parte da  Corte
    Suprema, acompanhada da notificação. 
                
    B.         
      
    O Estado            
    15.         
    O Estado informa que o Sr. Neira foi processado pelo  delito
    de roubo agravado pelo uso de armas na causa Nº 2915, conduzido perante a
    Secretaria Nº 24 do Julgado de Sentença Letra “Q”.[1] 
    O acusado foi absolvido em 28 de agosto de 1991, e condenado em
    segunda instância, em 15 de abril de 1992. 
    O Estado assinala que não tem informação sobre a interposição de
    nenhum recurso posterior perante a Corte Suprema de Justiça. 
                
    16.         
    O Estado sustenta que a Câmara de apelações levou a cabo o
    processo respeitando plenamente a lei, e em especial as garantias do debido
    processo pertinentes.  Sustenta
    também que a polícia cumpriu plenamente suas obrigações. 
    Em caso de ter havido alguma irregularidade --expressa o Estado-- a
    defesa do Sr. Neira esteve plenamente habilitada para formulá-la perante os
    tribunais, mas esta não aduziu nem demonstrou a existência de nenhum  vício
    desse gênero no âmbito da apelação.            
    17.         
    O Estado sustenta que as denúncias apresentadas pelo Sr. Neira são
    de caráter genérico, carentes de suficiente explicação; que sua análise
    do processo não revela nenhuma  violação de nenhum fato protegido; que não formulou
    argumento específico algum referente ao direito a uma defensa jurídica
    adequada, e que não explicou perante os tribunais internos nem perante a
    Comissão em que consistiu o que qualifica como tortura.            
    18.         
    Com relação às asseverações específicas sobre tortura, o Estado
    informa que o Sr. Neira não apresentou a correspondente denúncia perante a
    Procuradoria Penitenciária.  O  Estado
    sustenta que esse órgão foi criado especificamente para proteger os
    direitos humanos dos  detidos
    dentro do sistema carcerário.  O
    Estado afirma que existe contradição entre a omissão do Sr. Neira de denúnciar
    as torturas que alega ter sofrido  e
    o fato de que apresentou uma denúncia referente ao cômputo de sua sentença
    e a data de sua liberação.              
    19.         
    Em resumo, ao longo de suas exposições, o Estado assinala que a
    petição é inadmissível  porque não foram estabelecidos fatos que tendem a
    caracterizar a violação do direito protegido. 
    Por uma parte, o Estado sustenta que a petição não estabelece
    elementos concretos suficientes para respaldar ou provar as violações de
    direitos aduzidas.  Por outra
    parte, argumenta que o Sr. Neira teve plena oportunidade de litigar em relação
    às denúncias perante os tribunais nacionais, e que tenta reabrir novamente
    o litigio perante a Comissão Interamericana, o que segundo o Estado
    equivaleria a fazer da Comissão um  órgão
    de revisão de quarta instância, para o qual carece de competência.            
    20.         
    Em suas comunicações finais, o Estado assinala que lamenta o
    falecimento do  Sr. Neira, mas
    reitera sua posição quanto à inadmissibilidade da  petição. 
    Defende que dado que o senhor Neira não expôs fatos que
    caracterizem uma violação, combinada com a inação processual da  mãe do Sr. Neira, que na sua opinião,  não insistiu em levar adiante o trâmite da  petição
    em suas comunicações posteriores a morte de seu filho, a petição deve
    ser declarada inadmissível.    IV.    
    ANÁLISE DE ADMISSBILIDADE  A.      
    Competência da Comissão ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci   21.         
    A Comissão é competente para examinar a petição em questão.  Conforme o previsto no artigo 44 da  Convenção Americana, o peticionário está legitimado para
    apresentar uma denúncia perante a Comissão. 
    A petição dos autos indica que a suposta vítima estava sujeita à
    jurisdição do Estado argentino no momento dos  fatos
    alegados.  Quanto ao Estado,
    Argentina é um Estado membro da Convenção Americana, tendo depositado seu
    instrumento de ratificação em 5 de setembro de 1984. 
    Consequentemente, a Comissão é competente ratione pessoae para examinar a denúncia apresentada.            
    22.         
    Na medida em que a petição formula questões referentes aos
    direitos estabelecidos nos artigos 5, 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana,
    a Comissão é competente ratione
    materiae para examiná-la.   23.         
    Por outra parte, a Comissão é competente ratione
    temporis para examinar o assunto.  A
    petição baseia-se em fatos supostamente ocorridos no início de 1990,
    estando em plena vigência as obrigações contraídas pelo  Estado no marco da  Convenção
    Americana.            
    24.         
    Por último, a Comissão tem competência ratione
    loci para analisar a petição, tendo em consideração que esta alega
    violações de direitos protegidos em virtude da  Convenção
    Americana, que teriam tido lugar no território de um Estado membro.   B.          
    Outros requisitos de
    admissibilidade da  petição  a.           
    Esgotamento dos recursos internos   25.         
    O artigo 46 da Convenção Americana estabelece que a admissibilidade
    de um caso está condicionada a "que se tenha interposto e esgotado os
    recursos da jurisdição interna, conforme os princípios de Direito
    Internacional geralmente reconhecidos". 
    Este requisito foi estabelecido para garantir ao Estado a
    oportunidade de resolver as disputas dentro de seu próprio marco jurídico. 
    Não obstante, a Convenção prevê que estas disposições não serão
    aplicadas quando os recursos internos não estão disponíveis, seja por uma
    razão legal, seja por uma situação de fato.[2] 
    O artigo 46(2) estabelece que esta exceção deve ser aplicada se a
    legislação interna do Estado em questão não existe o devido processo
    legal para a proteção dos direitos alegadamente violados; se foi negado ao
    suposto prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos de jurisdição
    interna, ou se houve atraso injustificado na decisão sobre os mencionados
    recursos.             
    26.         
    No caso dos autos, as partes reconhecem que o procedimento judicial
    contra o Sr. Neira adquiriu caráter de res
    judicata.  Os documentos apresentados juntamente com a petição
    demonstram  que o Sr. Neira foi
    julgado em primeira instância no processo 2915 perante o Juiz Ricardo José
    Galli, do Julgado Nacional Criminal de Sentença letra "S", e
    absolvido por sentença decretada em 4 de setembro de 1992. 
    Desta se depreende que tanto o Sr. Neira como o co-réu, o Sr.
    Perrone, apresentaram retificações pouco depois de ter  declarado
    perante o juiz de instrução, argumentando cada um deles que haviam sido
    objeto de abusos físicos enquanto estavam sob detenção policial.  Essa sentença reflete a conclusão do juiz de que os
    resultados da investigação policial foram obtidos através de maus tratos
    físicos infrigidos aos acusados  Perrone
    e Maffeo, o que exige, consequentemente, excluir as provas correspondentes. 
       27.         
    Após a apelação interposta pelo Promotor e pelo co-autor, o Sr.
    Neira foi condenado em segunda instância pela Sala VII da Câmara Nacional
    de Apelações Criminal e Correcional da  capital,
    em virtude de sentença datada de 8 de março de 1994. 
    A Sala VII estabeleceu que os maus tratos físicos não tinham sido
    provados, mas sim teriam sido de responsabilidade do Sr. Neira. 
    A petição indica que o Sr. Neira foi devidamente notificado da  sentença
    em 21 de abril de 1994.     28.         
    O recurso extraordinário preparado e interposto pelo Sr. Neira
    perante a Sala VII solicita a revogação, por parte da Corte Suprema de
    Justiça, de sua condenação em segunda instância com base de que as
    provas utilizadas para condenar o réu tinham sido obtidas mediante
    torturas.  O Sr. Neira sustenta  que
    essas torturas forçaram aqueles que a sofreram, isto é, o Sr. Perrone e o
    próprio Sr. Neira, a declarar contra seus interesses, e violaram normas básicas
    do devido processo reconhecidas na Constitução argentina. 
    Alega que a lei e a prática exigem que as provas obtidas desta
    maneira sejam exluídas do processo, e que a Sala VII desconsiderou
    arbitrariamente os relatórios médicos que provavam a existência de tais
    torturas.  A Sala VII, por resolução de 26 de maio de 1994, declarou
    inadmissível o recurso extraordinário. 
    Posteriormente, o Sr. Neira interpôs um recurso de queixa perante a
    Corte Suprema de Justiça, que o indeferiu por resolução de 17 de novembro
    de 1994, argumentando que não haviam sido cumpridos os requisitos de
    fundamentação autônoma.  Esta
    decisão foi notificada em 22 de novembro de 1994.   29.         
    O Estado assinalou em sua comunicação de 8 de novembro de 1996 que,
    na sua opinião, o processo tramitado perante os tribunais tinha sido
    finalizado com a sentença datada de 8 de março de 1994, e informou que não
    tinha antecedentes de nenhuma apelação interposta no processo 2915 perante
    a Corte Suprema de Justiça.     30.         
    Sobre este ponto, a Comissão analisou as denúncias do peticionário
    e uma cópia da resolução de 17 de novembro de 1994 da Corte Suprema de
    Justiça, em que esta indefere o recurso de queixa interposto pelo  Sr.
    Neira no processo 2915 e a notificação dessa decisão, datada de 22 de
    novembro de 1994, ambos documentos parecem encontrar-se plenamente em ordem. 
    Embora o Estado tenha assinalado que não é possível localizar
    nenhum antecedente desse recurso, tampouco refutou expressamente as
    manifestações do peticionário sobre a autenticidade do documento em questão. 
    Por conseguinte, a Comissão conclui que os recursos internos
    referentes ao processo 2915 concluiram com o indeferimento do recurso de
    queixa notificado em 22 de novembro de 1994.   31.         
    Ainda que o Estado tivesse contestado expressamente a admissibilidade
    da  petição com base na não
    caracterização de uma violação, cabe analisar os pontos referentes ao
    requisito do esgotamento dos  recursos.
    Em primeiro lugar, o Estado pontua em algumas de suas comunicações que
    enquanto estava pendente o recurso de apelação perante a Sala VII, o
    representante legal do Sr. Neira não tentou demostrar nenhuma  irregularidade
    que tivesse afetado os direitos de seu cliente, defendendo supostamente, que
    o Sr. Neira não fez pleno uso dos  recursos
    que estavam a sua disposição.  A
    posição do Estado a este respeito é um tanto ambígua, dado que foi a
    parte acusadora, e não o Sr. Neira, quem promoveu a revisão da  sentença
    decretada em primeira instância.  De
    todos os modos, da análise dos  documentos
    realizada pela  Comissão,
    incluidas as sentenças prolatads em primeira e 
    segunda instâncias, e o recurso extraordinário interposto, se
    depreende que as diversas autoridades judiciais que tiveram a seu cargo o
    processo 2915 foram claramente conscientes das denúncias do Sr. Neira sobre
    tortura e de sua afirmação sobre a conseguinte nulidade dos  procedimentos.     32.         
    Em segundo lugar, o Estado refere-se em diversos pontos de suas
    comunicações ao fato de que o Sr. Neira nunca apresentou uma  denúncia perante o Procurador Penitenciário a respeito das
    torturas sofridas.[3] 
    Conforme o disposto no  artigo
    46, os recursos pertinentes para efeito da presente análise são recursos
    judiciais.  A este respeito, a Comissão reitera que da análise do
    expediente se depreende que as acusações de tortura foram formuladas
    diretamente perante as autoridades judiciais competentes para examinar o  processo 2915.  Portanto,
    foi cumprido o disposto no artigo 46 quanto à interposição e o
    esgotamento dos recursos de jurisdição interna conforme os princípios do
    direito internacional geralmente reconhecidos.   b.          
    Prazo para a apresentação da petição   33.         
    Conforme o previsto no artigo 46(1)(b) da Convenção, toda petição,
    para que possa ser admitida, deve ser apresentada no prazo de  seis meses seguintes à data em que a parte denunciante tenha
    sido notificada da sentença definitiva adotada no âmbito  interno.  A regra
    dos seis meses garante certeza legal e estabilidade uma vez  adotada a decisão.     34.         
    Segundo o expediente, o Sr. Neira foi notificado sobre o
    indeferimento do recurso de queixa pela Corte Suprema no dia 22 de novembro
    de 1994.  A petição do Sr.
    Neira perante a Comissão foi apresentada em 17 de abril de 1995 e recebida
    em 10 de maio de 1995, logo esta  cumpre
    o requisito da  apresentação
    no prazo certo.   c.           
    Duplicação de procedimentos e res judicata   35.         
    O artigo 46(1)(c) estabelece que a admissão de uma petição está
    sujeita ao requisito de que o assunto "não esteja pendente de outro
    processo de solução internacional” e o artigo 47(d) da 
    Convenção estipula que a Comissão não poderá admitir uma petição
    que “for substancialmente reprodução de petição ou comunicação
    anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo
    internacional".  No caso
    dos autos as partes não alegaram nem se depreende do expediente a existência
    de nenhuma dessas duas circunstâncias de inadmissibilidade.    d.          
    Caracterização dos fatos alegados   36.          O artigo 47(b)
    da Convenção Americana declara inadmissível toda petição em 
    que não expuser fatos que
    caracterizem violação dos direitos garantidos pela mesma. 
    O  Estado apresentou três argumentos básicos para fundamentar a
    sua posição quanto à inadmissibilidade da petição conforme  esta
    norma. Em primeiro lugar, sustenta que no julgamento do Sr. Neira não
    existiram  verdadeiras irregularidades que possam ter afetado os direitos
    desta pessoa.  Em segundo lugar,
    a defesa do Sr. Neira renunciou em provar ou não conseguiu provar nenhuma
    irregularidade desse gênero durante os procedimentos judiciais e não
    explicou nem definiu o que entendia pelas torturas que aduzia, nem perante
    os tribunais internos nem em sua denúncia perante a Comissão. 
    Em terceiro lugar, sustenta que o que se pretende essencialmente
    através da petição é que a Comissão revise uma sentença judicial com o
    qual o  peticionário simplesmente não está satisfeito. 
    Isto, na opinião do Estado, implica exigir que a Comissão atúe
    como "quarta instância" de revisão, função que escapa a sua
    competência.     37.          O exame da  primeira
    afirmação corresponde a etapa de análise de mérito do assunto por parte
    da  Comissão. 
    Conforme o disposto na Convenção e no Regulamento da  Comissão,
    o pressuposto que deve ser cumprido na etapa de admissibilidade não é o de
    provar as violações de direito, mas sim verificar se a petição formula
    fatos que, se oportunamente forem comprovados como certos, tendem a
    caracterizar uma violação de direitos.   38.          A segunda
    afirmação foi efetuada e repetida, sem que se tenha feito referência a
    procedimentos específicos ou outra informação concreta. 
    Após examinar o expediente, a Comissão observa que o Sr. Neira
    declarou ao juiz encarregado da investigação judicial que tinha sido
    golpeado repetidamente enquanto se encontrava sob custódia dos policiais
    que o  investigavam, que estes
    tinha detido sua esposa grávida durante um breve intervalo e que
    posteriormente tinham ameaçado sua família.  Ademais
    manifestou que tinha sido encapuzado,  sufocado,
    e ameaçado repetidamente de outras maneiras caso não colaborasse. 
    O expediente assinala também que na sua declaração inicial, antes
    de aduzir que tinha sido torturado, indicou que sofria de dores corporais, e
    pediu que lhe fosse tirados raios X.  Estes
    aspectos das declarações efetuadas perante o juiz de instrução estão
    refletidos na sentença de primeira instância. 
    Essas declarações e a  mencionada
    sentença formam parte, por sua vez, do  expediente em que se baseou o Sr. Neira para promover a revogação
    dessa sentença através da  Sala
    VII.  A este respeito, as denúncias
    apresentadas perante as instâncias internas parecem ter sido definidas com
    suficiente claridade como para que as autoridades responsáveis  pudessem responder e como para indicar que, se resultavam
    comprovadas, constituiriam  violações
    de direitos protegidos no  marco
    da Convenção Americana.     39.          Com respeito ao
    terceiro argumento --de que a análise desta petição exigiria que a Comissão
    atuara como "quarta instância", ultrapassando a esfera de sua
    competência—cabe ressaltar que a CIDH "não é competente para
    revisar sentenças decretadas por tribunais nacionais que atuem na esfera de
    sua competência e apliquem as devidas garantias judiciais"[4],
    nem "pode fazer as  vezes
    de um tribunal de alçada para examinar supostos erros de direito ou de fato
    que podem ter sido cometidos pelos tribunais nacionais que tenham atuado
    dentro dos  límites de sua
    competência"[5],
    porém, dentro de seu mandato de garantir a observância dos  direitos
    estipulados na Convenção, a Comissão é necessariamente "competente
    para declarar admissível uma petição e decidir  sobre
    seu fundamento quando esta refere-se a uma sentença judicial nacional que
    foi decretadas a margen do devido processo”, o que aparentemente viola
    qualquer outro direito garantido pela  Convenção.[6] 
    A Comissão conclui que, no caso dos autos, o  peticionário
    apresentou denúncias referentes a supostas violações do direito a proteção
    e as garantias judiciais, bem como o direito a integridade pessoal que, se
    provados verdadeiros, poderiam configurar a violação de direitos
    protegidos nos artigos 5, 8, 25 e 1(1) da  Convenção
    Americana.     40.          Tendo em conta
    as denúncias formuladas com respeito a proteção e as garantias judiciais
    e o princípio jura novit curia, a Comissão, na etapa da decisão sobre o mérito do assunto, ocupar-se-á
    também da questão referente a revisão da decisão de condenação
    resultante da revogação de uma sentença absolutória decretada em
    primeira instância. 
       V.          
    CONCLUSÕES  41.         
    A Comissão conclui que é competente para conhecer o caso dos autos
    e que a petição é admissível conforme os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.     42.         
    Com base nos argumentos de fato e de direito acima expostos, e sem
    prejulgar o mérito do assunto,    A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
    HUMANOS,  DECIDE:   1.         
    Declarar a petição admissível em relação a suposta violação
    dos  direitos reconhecidos nos
    artigos 5, 8, 25 e 1(1) da  Convenção
    Americana.            
    2.         
    Notificar as partes desta decisão.            
    3.         
    Prosseguir com a análise do mérito do assunto.   4.          Publicar o
    presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia 
    Geral da OEA.   Dado e assinado na
    sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de
    Washington, D.C., aos 27 dias do mês de fevereiro de 2002. (Assinado):
    Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente;
    membros da Comissão Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, e Clare Kamau
    Roberts.    [ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] 
 *
        Segundo o
        previsto no artigo 19(2) do Regulamento da 
        Comissão, seu Presidente, Juan E. Méndez, de nacionalidade
        argentina, não participou do debate nem da decisião do presente caso. [1]
        A  maior parte dos
        documentos do expediente referem-se à letra "S". 
        De todos os modos, ambas partes referem-se claramente ao trâmite
        do processo 2915. [2]
        Ver
        Corte IDH, Exceções ao esgotamento recursos internos (artigos 46.1,
        46.2.a e 46.2.b da  -Convenção
        Americana sobre Direitos Humanos), Opinião Consultiva OC-11/90 de 10 de
        agosto de 1990, Serie. A No. 11, parágrafo 17. [3]
        A este respeito cabe recordar que essa Procuradoria foi criada en 1993,
        através da  sanção do
        Decreto Nº 1598, data posterior a dos 
        fatos iniciais supostamente ocorridos. [4]
        Ver, em geral, CIDH, Relatório Nº 101/00, Caso 11.630 Arauz e outros
        (Nicaragua), 16 de outubro de 2000, no Relatório
        Anual da  CIDH, 2000,
        parágrafo 56, em que se cita CIDH, Relatório Nº 39/96, Caso 11.673,
        Marzioni (Argentina), 15 de outubro 
        de 1996, no Relatório
        Anual da  CIDH, 1996, parágrafos 50 e 51. [5]
        CIDH, Relatório Nº 7/01, Caso 11.716 Güelfi (Panamá), 23 de
        fevereiro de 2001, no Relatório
        Anual da CIDH, 2000, parágrafo 20, em que se cita Marzioni, supra,
        parágrafo 51. [6]
        Íd. 
 |