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| RELATÓRIO
    Nº 2/02 ADMISSIBILIDADE CASO
    12.313 COMUNIDADE
    INDÍGENA YAXYE AXA DEL PUEBLO ENXET-LENGUA PARAGUAI 27
    de fevereiro de 2002     I.           
    RESUMO    1.           
    Em 10 de janeiro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos
    Humanos (doravante denominada "a Comissão" ou a “CIDH”)
    recebeu uma petição apresentada por Tomás Galeano e Esteban López, líderes
    da  Comunidade Indígena Yaxye
    Axa do Povo  Enxet-Lengua, representados pela 
    Organização Tierraviva para los Pueblos Indígenas del Chaco (doravante
    denominada “TIERRAVIVA”) e o Centro pela Justiça e o Direito
    Internacional (doravante denominado “CEJIL”), 
    (todos doravante denominados “os peticionários"), em favor da 
    Comunidade Indígena Yaxye Axa del Povo Enxet-Lengua e seus membros,
    (doravante denominada a “Comunidade Indígena Yakye Axa” ou a
    “Comunidade Indígena”) contra a  República
    do Paraguai (doravante denominada o “Estado paraguaio”, “Paraguai”
    ou o “Estado”). Na petição se alega que o Estado paraguaio violou os
    artigos 4 (direito à vida), 25 (proteção judicial) em conjunção com o
    1.1 (obrigação de respeitar os direitos) contemplados na 
    Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada
    “a Convenção” ou a “Convenção Americana”). Além disso, a petição
    alega que o Estado desconheceu o artigo 27 do Pacto de Direitos Civis e Políticos
    (doravante denominado “o PIDCP) e os artigos 1(2), 2(1), 4(1) e 5(a) do
    Convênio 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da 
    Organização Internacional do Trabalho (doravante denominado o
    “Convênio 169"), em detrimento da   Comunidade
    Indígena e seus membros, por não providenciar assistência integral à
    Comunidade enquanto perdura o processo de reivindicação de território
    tradicional, não finalizar o trâmite administrativo de recuperação de
    terras e por proibir suas atividades econômicas tradicionais de subsistência,
    isto é, a caça, a pesca e a colheita.    2.           
    Com respeito à admissibilidade, os peticionários alegam que sua
    petição é admissível, por aplicação das exceções contempladas nos
    requisitos de esgotamento de recursos internos e de prazo de apresentação
    da  petição, previstos no 
    artigo 46(2) (a) e (b) da  Convenção.
    Por sua parte, o Estado ofereceu, desde o início, um processo de solução
    amistosa e participou ativamente deste processo.    3.           
    A Comissão, após analisar as posições das partes e o cumprimento
    dos  requisitos previstos nos 
    artigos 46 e 47 da  Convenção
    concluiu que é competente para conhecer a petição e a declarou admissível.
       II.           
    TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO    4.           
    Em 10 de janeiro de 2000, a Comissão recebeu a petição contra o
    Estado paraguaio. Em 27 de julho de 2000 a Comissão transmitiu as partes
    pertinentes ao Estado e solicitou que este encaminhasse a informação que
    considerasse oportuna no prazo de 90 dias. 5.           
    Em 16 de outubro de 2000 o Estado manifestou seu interesse de iniciar
    um processo de solução amistosa. A Comissão solicitou aos peticionários
    suas observações.   6.           
    Em 1° de março de 2001, durante o 110° período de sessões da 
    Comissão, foi celebrada uma audiência com a presença de
    representantes de ambas partes e os peticionários apresentaram as bases
    para o processo de negociação. Em 10 de abril o Estado enviou informação
    adicional.   7.           
    Em 10 de setembro  de
    2001, os peticionários remeteram uma comunicação à Comissão, na qual
    informam sobre sua decisão de retirar-se do processo de solução amistosa
    e solicitaram a adoção de medidas cautelares em favor da Comunidade Indígena.
    Em 11 de setembro de 2001 a Comissão solicitou ao Estado informação sobre
    a solicitação de medidas cautelares e em 14 sobre a nota de retirada do
    processo de solução amistosa. No mesmo dia o Estado remeteu à CIDH
    informação sobre o pedido de medidas cautelares, a qual foi transmitida
    aos peticionários. Em 20 e 25 de setembro de 2001, os peticionários
    enviaram suas observações.   8.           
    Em 26 de setembro de 2001 a Comissão solicitou ao Estado a adoção
    de medidas cautelares em favor da  Comunidade
    Indígena Yakye Axa. Em 1° de outubro de 2001, os peticionários
    encaminharam  à Comissão
    informação adicional. Em 12 de outubro de 2001, o Estado informou sobre a
    adoção das medidas cautelares e a Comissão transmitiu as partes
    pertinentes aos peticionários. Em 2 e 7 de novembro de 2001, as partes
    enviaram informação adicional.   9.           
    Em 12 de novembro de 2001, durante o 113° período de sessões da 
    Comissão, as partes subscreveram um “Acordo de Apromixação de
    Vontades”.   10.           
    Em 19 de dezembro de 2001, o Estado e os peticionários,
    respectivamente, remeteram informação adicional, a qual foi trasladada às
    partes para observações. Em 2 de janeiro de 2002, o Estado enviou informação
    adicional, a qual foi transmitida aos peticionários para suas observações.
    Em 19 de janeiro de 2002, os peticionários comunicaram sua decisão de
    retirar-se do processo de solução amistosa, nota que foi trasladada ao
    Estado em 22 de janeiro de 2002.   A.           
    Medidas cautelares   11.           
    Em 11 de setembro de 2001, os peticionários solicitaram à Comissão
    a adoção de medidas cautelares em favor da 
    Comunidade Indígena Yakye Axa, em atenção a “graves
    acontecimentos registrados nas últimas horas e que punham em sério risco a
    segurança e a integridade das famílias da Comunidade”. Manifestaram que
    o juiz do Juizado Penal de Liquidação e Sentença da Circunscrição
    Judicial de Concepção, na causa sobre “Averiguação de invasão de imóvel
    alheio, coação grave e furto na Fazenda Loma Verde”, ordenou o  retirada
    das residências dos membros da  Comunidade
    Indígena, localizadas nuna faixa de domínio público de uso e jurisdição
    da  Direção de Serviço Público.
    Afirmam que durante o  processo
    de solução amistosa o Estado comprometeu-se a garantir a ocupação pacífica
    dessa área por parte dos membros da comunidade.[1] Entretanto, no dia 29 de agosto o Instituto Nacional do
    Indígena (doravante denominado “INDI”), foi notificado pelo 
    tribunal mencionado da  resolução
    que ordenava, em conjunto com o Ministério de Obras Públicas e o Ministério
    do Interior, executar a retirada das residências da 
    Comunidade. Informaram os peticionários que neste juizo contra a
    Comunidade, não lhes permitiu designar um advogado, de modo que alegam que
    a Comunidade ficou absolutamente sem defesa e poderia ser desalojada nas próximas
    horas. A solicitação de medidas cautelares foi enviada ao Estado em 11 de
    setembro de 2001, para que este enviasse informação à  Comissão
    em 4 dias.    12.           
    Em 26 de setembro de 2001, a Comissão, tendo presente a informação
    recebida do Estado e dos  peticionários,
    solicitou a adoção de medidas cautelares em favor da 
    Comunidade Indígena Yakye Axa:   1. 
    Suspender a execução de qulaquer orden judicial ou administrativa
    que implique no  despejo e/ou
    retirada das residências da Comunidade Indígena Yaxye Axa e de seus
    membros, até que os órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos
    tenham  examinado a presente petição e adotado uma decisão
    definitiva sobre o fondo do assunto.   2. 
    Abster-se de realizar qualquer outro ato ou diligência, que afete o
    direito à propriedade e à circulação e residência da 
    Comunidade Indígena Yakye Axa e de seus membros.   3. 
    Adotar todas as medidas necessárias para assegurar a vida e
    integridade física, psíquica e moral dos membros da Comunidade Indígena
    Yakye Axa, tendo em consideração os fundamentos e disposições do Decreto
    Presidencial N° 3789 de 23 de junho de 1999.   13.           
    Em 12 de outubro de 2001, o Estado informou à CIDH sobre a adoção
    das medidas cautelares, expressando que o Presidente da 
    Corte Suprema de Justiça e Ministro encarregado de questões
    relativas a Direitos Humanos, Dr. Raúl Sapena Brugada, havia solicitado o
    expediente ao juiz que decretou a retirada das residências da 
    Comunidade Indígena e pedido aos Ministérios de Obras Públicas e
    do Interior suspender todo trâmite de despejo da Comunidade Yakye Axa.    14.           
    Em 2 de novenbro de 2001, os peticionários informaram à Comissão
    que valorizavam as medidas adotadas pelo Presidente da Corte Suprema, que
    foram oportunas e céleres, de conformidade com a gravidade da situação.
    Afirmam que a adoção por parte do Estado das medidas cautelares
    solicitadas pela CIDH havia sido parcial, considerando que a resolução
    judicial que ordenava o retirada das residências da 
    Comunidade não tinha sido revogada, que não se tinha assegurado a
    ocupação pacífica do lugar onde se encontrava a Comunidade e que não
    tinha implementado as medidas necessárias para assegurar a vida e a
    integridade física, psíquica e moral dos 
    membros da  Comunidade.   B.           
    Processo de solução amistosa   15.           
    Nas suas primeiras observações, o Estado solicitou à CIDH que se
    colocasse à disposição das partes a fim de chegar a uma solução
    amistosa. Duante este processo, as partes realizaram reuniões em Assunção,
    Paraguai. Na  reunião realizada em 27 de março de 2001 as partes
    resolveram sobre o reconhecimento das terras reivindicadas pela Comunidade
    Indígena como parte de seu habitat tradicional, fundamentado no relatório
    elaborado pelo  antropólogo
    Chase Sardi, a pedido do INDI.[2]
       16.           
    Em 10 de setembro de 2001, os peticionários informaram à CIDH sua
    decisão de retirar-se do processo de negociação, aceitando os resultados
    obtidos até aquela data e as possibilidades de solução do assunto por
    essa via. Sua decisão foi baseada no fato de que, embora o Estado tenha
    reconhecido o direito ancestral da Comunidade sobre as terras que
    reivindicam, não haviam sido adotadas as medidas que representavam a reparação,
    ou ao menos um início de reparação efetiva dos 
    direitos humanos violados da Comunidade. Afirmam que, contrariamente
    à vontade manifestada pelo Estado, existia uma ordem de retirada das residências
    da Comunidade, emitida por um juiz da Circunscrição Judicial de Concepção.   17.           
    Durante a reunião de trabalho realizada perante a CIDH em 12 de
    novembro de 2001, as partes subscreveram um “Acordo de Aproximação de
    Vontades”, obrigando-se a informar à Comissão sobre o cumprimento dos 
    compromissos. Em 19 de dezembro de 2001 as partes informaram à
    Comissão sobre as gestões realizadas no 
    marco do cumprimento do acordo mencionado.   18.           
    Em virtude das manifestações contidas na nota enviada pelo 
    Estado de 2 de janeiro de 2002, os peticionários informaram a Comissão
    sobre sua decisão de retirar-se do processo de solução amistosa, decisão
    que foi tomada pela Assembléia da Comunidade Indígena Yakye Axa.   III.         
    POSIÇÕES DAS PARTES    A.           
    Os peticionários   19.           
    Os peticionários alegam que o Estado do Paraguai violou os artigos 4
    e 25, em conjunção  com o 1(1) da  Convenção;
    e que o Estado desconheceu o artigo 27 do PIDCP e os artigos 1(2), 2(1),
    4(1) e 5.a do Convênio 169, em detrimento da Comunidade Indígena Yakye Axa,
    do Povo Enxet-Lengua e seus membros, por não providenciar assistência
    integral à Comunidade enquanto perdura o processo de reivindicação de
    território tradicional, não finalizar o trâmite administrativo de
    recuperação de terras e por proibir suas atividades econômicas
    tradicionais de subsistência, isto é, a caça,a pesca e a colheita.    20.           
    Os peticionários afirmam que a Comunidade Indígena Yakye Axa
    pertence ao Povo Exet-Lengua, que seus integrantes são caçadores e
    agricultores e que vem praticando estas atividades historicamente em seu
    habitat tradicional. Manifestam que a Comunidade está constituída por 47
    famílias[3]
    e desde o ano 1996 está assentada no quilômetro 80, nas margens da rodovia
    que une Pozo Colorado a Concepção, frente à Fazenda Loma Verde, no estado
    de Presidente Hayes, onde está localizado o território que reivindicam
    como ancestral ou habitat tradicional.    21.           
    Com respeito ao processo de recuperação de seu território
    ancestral, alegam que no  ano
    1993 iniciaram as gestões administrativas e judiciais pertinentes, porém,
    o  processo continua pendente,
    apesar da Constituição Política de Paraguai reconhecer a existência dos 
    povos indígenas, definidos como grupos de cultura anteriores à
    formação e organização do Estado paraguaio e contemplar que é dever do
    Estado providenciar gratuitamente de propriedade comunitária aos povos indígenas
    “na  extensão e qualidade
    suficientes para a conservação e desenvolvimento de suas peculiares formas
    de vida”.[4]   22.           
    Alegam na  denúncia que
    o lugar onde atualmente está instalada a Comunidade Indígena é inapto
    para a vida das famílias que a integram. Manifestam que a fumaça dos  automóveis e o pó constante que levanta o trânsito fluido e
    permanente vem gerando graves consequências à saúde de seus habitantes
    mais vulneráveis, ou seja, os idosos e crianças. Alegam que a  maioria
    das crianças da  comunidade
    apresentam doenças respiratórias, e que não são tratadas pela 
    falta de assistência médica e sanitária, situação agravada pela 
    falta de recursos alimentares, dado que os membros da comunidade são
    proibidos por ordem judicial a caçar e pescar nas terras que reivindicam
    como ancestrais, o que lhes impede de sustentar suas famílias com alimentos
    básicos. Assinalam que quatro pessoas da   Comunidade
     faleceram por causa de doenças
    bronco-respiratórias.   23.           
    A grave situação sanitária e alimentar que vive a Comunidade foi
    reconhecida pelo Estado do Paraguai quando, em 23 de junho de 1999, este
    decretou o Decreto N° 3789/99, declarando estado de emergência na
    comunidade e ordenando que lhes fosse outorgada  assistência
    sanitária e alimentar, enquanto durasse o processo de reivindicação da 
    terra.   24.           
    Os peticionários afirma que a situação deplorável em que vivem os
    membros da  Comunidade Indígena
    foi constatada pela CIDH, durante a  visita in loco ao Paraguai realizada em 1999.[5]   25.           
    Apesar do reconhecimento expresso do Estado, através do decreto
    mencionado, da  situação de
    emergência em que se encontra a Comunidade Indígena, o “fornecimento de
    atenção médica e alimentar” ordenada pelo Presidente da República para
    as famílias da  Comunidade tem
    sido escassa e deficitária. 
 26.           
    Em relação ao processo de solução amistosa iniciado perante a
    CIDH durante o trâmite desta denúncia, os peticionários, em 19 de janeiro
    de 2002, informaram que se retiravam da 
    negociação por decisão dos membros da Comunidade, tendo em vista
    que continuar neste processo apenas prolongaria ainda mais qualquer solução.
       B.           
    O Estado   27.           
    O Estado manifestou nas suas primeiras observações à denúncia seu
    interesse em iniciar um processo de solução amistosa; e adiantou sua
    disposição de instalar uma mesa de diálogo com os peticionários a fim de
    chegar a um bom entendimento com respeito a esta petição, tendo em
    consideração a experiência do caso das 
    Comunidades Indígenas Enxet-Lamenxay e Kayleyphapopyet - Riachito, N°
    11.173.              
    28.           
    O Estado informou à Comissão sobre o Decreto Presidencial N°
    3789/99, de 23 de junho de 1999, que declarou 
    estado de emergência na Comunidade Yakye Axa e ordenou que lhe fosse
    concedida assistência sanitária e alimentar. Em suas partes pertinentes, o
    Decreto dispõe:   Que,
    por sua parte, a comunidade Yakye Axa do Povo Enxet Lengua, composta de
    cinquenta e sete famílias tenta reivindicar 15.000 hectáres de seu território
    tradicional, e que enquanto aguardam a solução de seu pedido,
    estabeleceram-se em frente as terras solicitadas, na faixa 
    de segurança do trecho entre Pozo Colorado e Concepção no Km. 80.   Que
    estas comunidades estão privadas do acesso aos meios de subsistência
    tradicionais ligados a sua identidade cultural, devido a proibição dos
    proprietários ao ingresso destes no  habitat
    reclamado como parte de seus territórios ancestrais.   Que
    esta circunstância dirimida atualmente em instâncias administrativas e
    judiciais dificulta o normal desenvolvimiento da vida destas comunidades
    nativas, em razão da  falta de
    meios de alimentação e de assistência médica mínimos e indispensáveis,
    é uma preocupação do Governo que exige uma resposta urgente.   Que,
    sendo de interesse público a tutela de preservação dos povos  indígenas da  nação
    conforme claras disposições contidas no 
    capítulo V da  Constituição
    Nacional, as leis 904/84 “Estatuto das comunidades indígenas” e 234/93
    “Que aprova o Convênio 169 da  OIT”,
    e sendo obrigação do Estado prover atenção pública e socorro para
    prevenir ou tratar casos de necessidades peremptórias, conforme dispõe a
    norma mencionada, cabe apoiar as Comunidades Indígenas Yakye Axa e
    Sawhoyamaxa.   PORTANTO,
       O
    PRESIDENTE DA  REPÚBLICA DO
    PARAGUAI DECRETA:   Artigo
    1° Declaro estado de emergência nas comunidades indígenas Yaxye Axa 
    e Sawhoyamaxa do Povo  Enxet
    Lengua do Distrito de Pozo Colorado do estado de Presidente Hayes, Chaco
    Paraguaio. Artigo 2° Disponha-se que o Instituto Paraguaio do Indígena conjuntamente com os Ministérios do Interior e de Saúde Pública e Bem-estar Social execute as ações necessárias para a imediata concessão de assistência médica e alimentar às familias integrantes das comunidades mencionadas, durante o iempo que durem os trâmites judiciais referente à regularização das terras reclamadas como parte do habitat tradicional das mesmas.[6]          
    29.           
    Em relação ao processo de reivindicação de terras, o Estado
    informou que as terras reivindicadas pela Comunidade Indígena foram
    declaradas parte de seu habitat tradicional.               
    30.           
    O Estado participou ativamente das reuniões celebradas entre as
    partes em Assunção e em Washington D.C.    IV.      
    ANÁLISE SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE   A.        
    Competência ratione loci,
    ratione pessoae, ratione temporis e ratione materiae da 
    Comissão    31.           
    Os peticionários encontram-se facultados, em princípio, pelo 
    artigo 44 da  Convenção
    Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala
    como supostas vítimas indivíduos,[7] a respeito das quais o Estado paraguaio 
    comprometeu-a respeitar e garantir os direitos consagrados na 
    Convenção Americana. No que se refere ao 
    Estado, a Comissão assinala que o Paraguai é um Estado parte na
    Convenção Americana desde 24 de agosto de 1989, data em que depositou seu 
    instrumento de ratificação. Portanto a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.                        
     32.           
    A Comissão tem competência ratione
    loci para conhecer a petição, visto que esta alega 
    violações de direitos protegidos na 
    Convenção Americana que teriam 
    tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado.            
    33.           
    A CIDH tem competência ratione
    temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos
    protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado
    na data em que ocorreram os fatos alegados na 
    petição.   34.           
    Finalmente, a Comissão tem competência ratione
    materiae, porque a  petição
    denuncia violações a direitos humanos protegidos pela 
    Convenção Americana.    35.           
    Com relação ao pedido dos peticionários que seja declarado que o
    Estado do Paraguai desconheceu o artigo 27 do PIDCP e os artigos 1(2), 2(1),
    4(1) e 5(a) do Convênio 169 da  OIT,
    a Comissão carece de competência a este respeito, sem prejuízo de poder
    utilizá-los como pauta de interpretação das obrigações convencionais,
    à luz do disposto no  artigo 29
    da  Convenção.   B.           
    Requisitos de admissibilidade   1. Esgotamento dos recursos internos 36.           
    O artigo 46(1) da  Convenção
    Americana sobre Direitos Humanos estabelece que para que uma petição ou
    comunicação apresentada conforme os artigos 44 ou 45 seja admitida pela 
    Comissão, é necessário o esgotamento prévio dos 
    recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do
    direito internacional geralmente reconhecidos. O  artigo 46(2) da  Convenção
    Americana estabelece que a disposição do artigo 46 (1)(a) não será
    aplicada quando: a) não existir, na legislação interna do Estado de que
    se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos
    que se alegue tenham sido violados;b) não se houver permitido ao suposto
    prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna,
    ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c) houver demora injustificada
    na decisão sobre os mencionados recursos.   37.           
    Em relação à recuperação do território ancestral da Comunidade
    Indígena,  principal aspecto da
    petição, os peticionários informam que em 1993 iniciaram os trâmites
    contemplados na legislação interna do Paraguai para tal objetivo. No
    Instituto de Bem-estar Rural (IBR), teve início o expediente N° 7261/93,
    no qual envolve também o INDI. Assinalam  que trasncorreram mais de 8 anos desde que iniciaram as gestões
    e até esta data a Comunidade não obteve as suas terras. Isto implica que o
    procedimento leva mais de oito anos sem ter sido finalizado.            
    38.           
    Portanto, dadas as características do presente caso, a Comissão
    considera que é aplicável a exceção prevista no artigo 46(2)(c) da
    Convenção Americana, visto que os  requisitos previstos na  Convenção
    Americana em matéria de esgotamento dos 
    recursos internos não são aplicáveis.             
    2.           
    Prazo de apresentação    39.           
    O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para
    admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do
    prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus
    direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva”. Conforme o artigo 32(2) do
    Regulamento da  Comissão, este
    prazo não é aplicável quando há  exceções
    à regra do prévio esgotamento dos  recursos.
    O Regulamento prevê que a petição deve ser apresentada dentro de um prazo
    razoável, tomando em conta a data da  suposta
    violação e as circunstâncias especiais do caso.    40.           
    A Comissão observa que transcorreram mais de oito anos desde que os
    representantes da Comunidade Indígena Yakye Axa iniciaram os trâmites para
    a recuperação de suas terras ancestrais, sem que até esta data a
    autoridade correspondente tenha resolvido este processo. Ao aplicar-se a
    exceção de demora injustificada,
    pode-se concluir que não existe uma decisão definitiva na jurisdição
    interna. Portanto, a CIDH considera que a petição foi apresentada dentro
    do prazo razoável estabelecido pela  Convenção.
       3.           
    Duplicação de procedimentos e coisa julgada    41.           
    O artigo 46(1)(c) e 47(d)  da 
    Convenção estabelece que para que uma petição ou comunicação
    seja admitida pela  Comissão, a
    matéria da  mesma não deve
    estar pendente de outro procedimento internacional e que não seja
    substancialmente a reprodução de petição ou comunicação anterior já
    examinada pela Comissão ou outro organismo internacional. por outro
    organismo internacional.   42.           
    Não surge do expediente que a matéria da petição esteja pendente
    de outro procedimento de acordo internacional, nem que reproduza uma petição
    já examinada pela  Comissão ou
    por outro organismo internacional.   43.           
    Portanto, a Comissão conclui que foram cumpridos os requisitos
    estabelecidos nos  artigos
    46(1)(c) e 47(d) da  Convenção.
       4.           
    Caracterização dos fatos alegados    44.           
    O artigo 47(b) da  Convenção
    estabelece que será inadmissível toda petição que “não exponha fatos
    que caracterizem uma violação dos direitos garantidos pela 
    Convenção”.    45.           
    A Comissão considera que as alegações dos peticionários, se
    provadas verdadeiras, poderiam caracterizar uma violação aos direitos
    garantidos nos  artigos 4 e 25
    da  Convenção, em concordância
    com seu artigo 1(1) do mesmo instrumento internacional. A Comissão observa
    que os peticionários não alegaram violações dos artigos 21 e 8. A CIDH
    considera que não é necessáario que as petições assinalem cada um dos 
    direitos supostamente violados. A este respeito e à luz da 
    recente jurisprudência da  Corte[8]
    sobre o direito de propriedade indígena, a Comissão conclui que as alegações
    dos peticionários poderiam configurar uma violação dos artigos 21 e 8 da 
    Convenção.    46.           
    Com base no exposto, a Comissão considera que foram satisfeitos os
    requisitos estabelecidos no  artigo
    47(b) e (c) da  Convenção
    Americana.     V.           
    CONCLUSÕES    47.           
    A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer
    o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os
    artigos 46 e 47 da  Convenção
    Americana.     48.           
    Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente,
    e sem prejulgar o mérito da questão,        A
    COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,   DECIDE:   1.          
    Declarar admissível a denúncia dos 
    peticionários sobre a suposta violação dos 
    artigos 4, 21, 25, 8 e 1(1) da Convenção Americana em detrimento da
    Comunidade Indígena Yaxye Axa do Povo Enxet-Lengua e seus membros.   2.           
    Notificar as partes desta decisão.   3.           
    Continuar com a análise sobre o mérito da questão.   4.           
    Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser
    apresentado à Assembléia Geral da  OEA.   Dado
    e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
    cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan
    Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José
    Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, Membros da Comissão 
    Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert. 
 [ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] [1]
        Consta na resolução Nº 4 da ata de reunião celebrada pelas partes em
        Assunção, Paraguai, o dia 24 de julho de 2001. [2]
        O “Relatório Antropólogico sobre a Comunidade Yakye Axa (Loma Verde)
        do Povo Exet-Lengua”, elaborado pelo  Antropólogo Chase Sardi, obra consta do expediente. [3]
        O Decreto Presidencial N° 3789/99, de 23 de junho de 1999, que declarou
        estado de emergência na Comunidade Yakye Axa, manifesta que a
        Comunidade está composta de 57 famílias. [4]
        Artigo 64 da  Constituição
        Política do Paraguai. [5]
        Na ocasião da  visita in
        loco a Paraguai no ano 1999, a “CIDH dirigiu-se ao Distrito de
        Pozo Colorado a fim de entrevistar as comunidades indígenas Yakye Axa e
        Sawhoyamaxa do Povo Enxet. A Comissão conheceu a situação deplorável
        na  qual se encontram estes
        povos, vivendo as margens da rodovia nacional sem nenhum tipo de serviços,
        e na espera de que os órgãos competentes lhes designem as terras
        requeridas. A Comissão valoriza a importância do Decreto Presidencial
        No. 3789 de 23 de junho de 1999, mediante o qual o Estado declarou o
        ‘estado de emergência’ destas comunidades indígenas, em virtude da 
        situação extrema na qual se encontram. Não obstante, a Comissão
        foi informada por estas comunidades indígenas, que os órgãos
        competentes ainda não adotaram as medidas efetivas ordenadas pelo
        Decreto Executivo, para a imediata provisão de atenção médica e
        alimentar às famílias integrantes desta comunidade. A
        Comissão continuará  observando
        com atenção o resultado dos procedimentos iniciados, a fim de designar
        as terras requeridas as Comunidades indígenas.” Comunicado
        de Imprensa 23/99 da  CIDH. [6]
        Decreto N° 3789/99, do Presidente da 
        República do Paraguai. [7]
        Os peticionários aportaram um censo da comunidade indígena com a
        individualização de cada um dos seus membros. [8]
        “Entre os indígenas existe uma tradição comunitária sobre uma
        forma comunal da  propriedade
        coletiva da  terra, no 
        sentido de que a posse desta não se centra num indivíduo mas
        sim num grupo e sua comunidade.  Os indígenas pelo fato de sua própria existência tem
        direito a viver livremente em seus próprios territórios; a estreita
        relação que os indígenas mantém com a terra deve de ser reconhecida
        e compreendida como a base fundamental de suas culturas, sua vida
        espiritual, sua integridade e sua sobrevivência econômica. 
        Para as comunidades indígenas a relação com a terra não é
        meramente uma questão de posse e produção mas de um elemento material
        e espiritual de que devem gozar plenamente, inclusive para preservar seu
        legado cultural e transmiti-lo as gerações futuras”. Corte
        Interamericana de Direitos Humanos, caso da 
        Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni contra Nicarágua. Sentença
        de Mérito de 31 de agosto de 2001. |